Crise climática: caso histórico de jovens contra Montana começa esta segunda-feira

Queixosos tinham entre dois e 18 anos quando entraram com a acção em 2020. Primeiro julgamento nos EUA sobre alterações climáticas que envolve 16 jovens tem início em Montana, esta segunda-feira.

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Os 16 jovens e crianças que estão a processar o estado do Montana, nos EUA DR OUR CHILDREN’S TRUST

Um dos primeiros julgamentos sobre mudanças climáticas na história dos Estados Unidos deve começar na segunda-feira em Helena, Montana, onde 16 jovens estão a tentar responsabilizar o estado por políticas favoráveis aos combustíveis fósseis que, segundo eles, exacerbaram o aquecimento global e obscureceram seus futuros.

Já existem casos climáticos de jovens contra outros estados nos EUA, mas é a primeira vez que um tribunal aceita ouvir os queixosos em julgamento num caso de acção climática com bases constitucionais. As audiências deste caso Held v. Montana deverão durar duas semanas, concluindo a 23 de Junho.

Os advogados dos jovens queixosos vão argumentar que o apoio contínuo do Estado aos combustíveis poluentes, como o carvão e o gás natural, viola uma disposição constitucional estadual que lhes garante o direito a um “ambiente limpo e saudável”. Vão pedir à juíza Kathy Seeley, que está a presidir ao julgamento de duas semanas, que emita uma sentença declaratória para esse efeito.

Os queixosos, que tinham entre dois e 18 anos quando entraram com a acção em 2020, esperam que a decisão do tribunal estabeleça um precedente importante e incentive os legisladores na capital do estado a tomar medidas mais fortes, de acordo com Nate Bellinger, um advogado que representa os jovens com o escritório de advocacia sem fins lucrativos Our Children’s Trust.

Rikki Held, que dá nome à acção, é a jovem mais velha do grupo e tinha 18 anos quando o processo foi interposto. O mais novo é o pequeno Nathaniel K., na altura com apenas dois anos, uma criança com problemas respiratórios e com a saúde ameaçada pelos incêndios florestais agravados pelas alterações climáticas, como explicam os seus pais ao The New York Times.

“O que ficará claro, esperamos, é que os governos têm a obrigação constitucional de proteger os seus cidadãos — especialmente os jovens, os cidadãos mais vulneráveis — dos perigos das alterações climáticas”, disse Bellinger.

Montana é um dos seis estados norte-americanos cuja constituição integra direitos ambientais. Numa acção climática histórica, estes jovens alegam que o estado de Montana também está a violar o direito constitucional de “procurar segurança, saúde e felicidade; e a dignidade individual e igualdade de protecção pela lei”.

Os jovens começaram por tentar pedir uma ordem judicial que obrigasse o Estado a desenvolver um plano de reparação de danos e a aplicação de políticas para reduzir as emissões. Mas Seeley rejeitou essa proposta em 2021, pois disse que isso exigiria que o tribunal tomasse decisões políticas que deveriam ser deixadas para outros ramos do Governo.

O Estado, que tem procurado repetidamente atrasar ou rejeitar o caso, encara esta acção judicial como um golpe publicitário “sem mérito” com o objectivo de “impedir o progresso responsável de energia” naquele estado.

Os advogados do estado argumentaram que as alterações climáticas são um problema global que deve ser tratado através do processo político — e não pelos tribunais. Também disseram que o tribunal de Montana não pode conceder aos jovens o alívio que pretendem, uma vez que o aquecimento global não pode ser atribuído directamente às políticas de combustíveis fósseis do estado.

O processo alega que a “autorização sistémica, permissão, encorajamento e facilitação” do Governo para o uso de combustíveis fósseis está a exacerbar a crise climática, apesar do que defendem ser um dever, segundo uma emenda de 1972 à Constituição de Montana, de proteger e melhorar o ambiente para as gerações passadas e futuras.

Espera-se que todos os queixosos, excepto os quatro mais jovens, testemunhem durante o julgamento.

Os queixosos também alegaram que o sistema energético dependente de combustíveis fósseis degrada e esgota recursos públicos constitucionalmente protegidos, como rios, lagos, peixes e vida selvagem, dos quais dependem para a pesca, tradições culturais e recreativas.

No mês passado, a juíza Kathy Seeley reduziu partes do processo relacionadas com a política energética do estado, depois de a legislatura estatal ter revogado disposições que promoviam explicitamente os combustíveis fósseis.

Recusou-se a cancelar o julgamento, como solicitado pelo estado, considerando que outras alterações à política estatal contestada não tinham alterado substancialmente o caso. O Supremo Tribunal de Montana recusou uma tentativa de adiar o julgamento no início desta semana, tornando-o, assim, o primeiro caso climático juvenil a ir a julgamento.

Michael Gerrard, director do Centro Sabin para a Lei das Alterações Climáticas da Faculdade de Direito de Colúmbia, disse que o julgamento, que é apenas o segundo sobre alterações climáticas nos EUA, é um passo significativo para o litígio sobre o clima.

“Uma decisão favorável poderia ter um efeito-cascata em todo o mundo, inspirando novos casos apoiados em múltiplas teorias”, defende Gerrard. Mesmo que seja dada razão aos jovens, o tribunal não poderá dizer ao estado de Montana o que fazer. No entanto, a grande vitória deste processo poderá estar na palavra do tribunal sobre se os combustíveis fósseis estão a causar poluição e a aquecer o planeta e se o estado está, ou não, a violar os direitos constitucionais ao apoiar essa indústria.

O processo é um dos vários casos climáticos constitucionais movidos pelo Our Children's Trust em nome de jovens requerentes. Um caso federal que foi encerrado em 2020 pelo Tribunal da Relação do 9.º Circuito dos EUA foi revivido no início deste mês. Um caso semelhante no Havai estava previsto para ser julgado em Setembro, mas foi adiado.

No final de Março, vimos pela primeira vez o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos a ouvir casos ligados ao clima. No mesmo dia, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou uma resolução, promovida por Estados do Pacífico-Sul liderados pela república de Vanuatu, para pedir ao Tribunal Internacional de Justiça um parecer que clarifique as obrigações legais dos Estados no combate às alterações climáticas.