Nos Estados Unidos, já há data para o primeiro julgamento por causa da crise climática

Um grupo de jovens processou o estado de Montana, alegando que a sua dependência de combustíveis fósseis infringe o direito a um ambiente limpo e saudável. O julgamento, o primeiro deste género nos EUA, está marcado para 2023.

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MIGUEL MANSO

Dezasseis jovens, com idades entre os quatro e os 20 anos, estão a processar o estado de Montana, alegando que a sua alta dependência de combustíveis fósseis acelera as alterações climáticas e infringe o seu direito a um ambiente limpo e saudável.

A queixa foi apresentada em Março de 2020 e o julgamento, o primeiro motivado pelas alterações climáticas nos EUA, deverá começar a 6 de Fevereiro de 2023. Em Agosto de 2021, um juiz recusou o pedido estatal para deixar cair a queixa, permitindo assim a continuidade do primeiro processo deste género nos Estados Unidos.

A queixa, a que a NBC News teve acesso, diz que “as crianças estão particularmente vulneráveis às consequências da crise climática, que prejudicam a saúde física e psicológica dos jovens queixosos, interfere com as fundações familiares, culturais e de integridade, e causa privações económicas”. E isto acontece num dos seis estados onde os direitos ambientais são constitucionais: o artigo IX, adicionado em 1972, diz que “o estado e cada pessoa devem manter e melhorar um ambiente limpo e saudável para as gerações futuras”.

Mas o facto de o caso ir a tribunal “não significa que os queixosos já tenham vencido”, relembra Michael Burger, director executivo do Sabin Center for Climate Change Law, à NBC. “Uma das coisas que os queixosos têm de provar é que estas políticas governamentais e estatutos são parte substancial dos seus danos. E isso pode provocar algumas reviravoltas interessantes.”

Rikki Held, 20 anos, a mais velha envolvida no caso, diz: “Foi uma longa caminhada. Ter os tribunais a efectivamente olharem para as evidências científicas, as melhores evidências que temos, para nos ajudar a proteger os nossos direitos constitucionais… proteger os lares que adoramos e as pessoas que nos são importantes.”

Já Nate Bellinger, um dos conselheiros dos queixosos e advogado na Our Children’s Trust, uma organização sem fins lucrativos que se dedica a proteger o direito dos jovens a um clima saudável, sublinha: “Temos uma oportunidade de ir a tribunal, em frente a um juiz e a uma audiência, e contar esta história do início ao fim. Como o estado de Montana está a permitir combustíveis fósseis, como as alterações climáticas estão a prejudicar os 16 queixosos de formas bastante específicas e individualizadas.”

No ano passado, todos os municípios de Montana experienciaram catástrofes climáticas. Foi um ano de seca e fogos florestais: aconteceu o quinto maior fogo desde 1980. E isso teve “um grande impacto” na família e no negócio de Rikki Held. “As estradas estavam fechadas e Agosto era o nosso melhor mês, por causa da época de caça. Perdemos cerca de metade da nossa receita só por causa do corte das estradas.”

A estes prejuízos, juntaram-se os de saúde. Rikki sentiu dores de cabeça por causa do fumo, e exaustão devido ao calor. “É bastante real e assustador. E frustrante, porque não estamos a fazer tanto como devíamos.”

O tribunal já avisou que não vai decretar uma injunção contra o governo de Montana, nem ordenar o que deve fazer. Vai contudo, determinar se o estado está ou não a violar os direitos dos queixosos. O que já não é coisa pouca, acredita Burger: “Ter um tribunal estatal a determinar se o falhanço do cumprimento das leis governamentais do clima é inconstitucional… isso é uma grande coisa.”

E pode ser o início de um movimento que já vem ganhando força. Uma base de dados do Sabin Center for Climate Change Law da Columbia Law School arquiva documentos de mais de mil casos relacionados com as alterações climáticas por todo o mundo. Contra os governos, dá conta de 468 processos, relacionados com diferentes áreas, como emissões de gases de efeito de estufa, acesso à informação, direitos humanos ou protecção de biodiversidade e ecossistemas. A base de dados dá também conta de 83 queixas contra empresas ou indivíduos. É possível, com esta ferramenta, ver as acusações em questão e as decisões tomadas pelo tribunal.

Por cá, seis jovens e crianças portugueses, com idades entre os 8 e os 21 anos, foram os autores de uma acção contra 33 estados, incluindo Portugal, entregue ao Tribunal dos Direitos Humanos, em Estrasburgo. Em causa está o facto de, ao não porem em prática as medidas necessárias para reduzir os gases com efeito de estufa e cumprirem os objectivos a que se propuseram no Acordo de Paris, os 33 estados estejam a pôr em causa os direitos dos cidadãos. Em Novembro de 2020, o Tribunal dos Direitos Humanos deu luz verde à acção movida e exigiu que os estados respondessem à reclamação.

A ideia é a mesma defendida por Rikki: “Os nossos governos deviam servir-nos. Se as pessoas estão a ser prejudicadas por causa de um sistema baseado nos combustíveis fósseis, não vejo porque não o mudamos.”