Julgamento de homicídio de Jéssica Biscaia: três das arguidas remetem-se ao silêncio

A mãe da criança, Inês Sanches, e Ana Pinto e Esmeralda Justo, duas das três acusadas das agressões que provocaram a morte da menina, já disseram que não querem prestar declarações.

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Há cinco pessoas que começaram a ser julgadas pela morte de Jéssica Biscaia Ricardo Lopes
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O julgamento de Jéssica Biscaia, a menina de três anos que morreu em Junho de 2022 vítima de maus tratos, começou esta manhã no Tribunal de Setúbal, com a identificação dos cinco arguidos. Três das acusadas já informaram que não vão prestar declarações.

Inês Sanches, mãe da menina, Ana Pinto e Esmeralda Justo, estas duas acusadas de agredirem a criança, disseram que se vão remeter ao silêncio. Já Justo Montes, também acusado das agressões, e Eduardo Justo, o único arguido que está em liberdade, acusado de tráfico de droga e violação, por ter alegadamente participado na introdução de um invólucro de droga no corpo da criança, disseram que queriam prestar declarações.

O arguido Justo Montes começou a depor, depois de todos os outros terem sido retirados da sala. Diz que “é tudo mentira” e que nunca viu Inês Sanches, mãe de Jéssica, na sua casa, porque “andava muito na rua, nunca estava em casa”.

Os cinco arguidos que agora começaram a ser julgados são Ana Pinto, conhecida por “Tita”, o companheiro, Justo Montes, e a filha de ambos, Esmeralda Montes, acusados dos crimes de homicídio qualificado, rapto, coacção agravada e dois crimes de rapto agravado. Ana Pinto e a filha são acusadas ainda de dois crimes de ofensas à integridade física agravada.

Estes três arguidos, juntamente com um quarto, o filho Eduardo Montes, são acusados também dos crimes de tráfico de estupefacientes agravado e de violação agravada.

Já Inês Sanches, mãe da menina assassinada, por não ter protegido a filha e não a ter socorrido, é acusada dos crimes de homicídio qualificado, ofensa à integridade física qualificada e omissão de auxílio.

Todos os arguidos estão presos preventivamente, à excepção de Eduardo Montes, cuja acção criminosa, de acordo com o MP, está relacionada apenas com o tráfico de droga e uso da criança para essa actividade.

Para esta primeira fase do julgamento estão marcados dois dias seguidos de audição de arguidos e testemunhas. Esta primeira sessão era reservada à audição dos quatro arguidos e no segundo dia, terça-feira, está prevista a audição das testemunhas de acusação. Da parte da manhã devem ser ouvidas as primeiras oito e, para a tarde, está agendada a audição das últimas sete.

O julgamento continuará no próximo mês, com sessão marcada para dia 4, em que de manhã será ouvido o perito João Ferreira dos Santos, coordenador do Gabinete Médico-Legal de Setúbal, e, à tarde, as testemunhas dos arguidos e do assistente.

O colectivo de juízes, que reservou também os dias 5 e 6 de Julho para as audições que não tenham sido feitas, prevê fazer o escalonamento da prova no final deste último dia do plano de trabalho.

Dias de terror

Os sete dias que Jéssica Biscaia viveu em casa dos acusados do seu homicídio ficaram marcados no corpo da criança com lesões, externas e internas, que enchem nove páginas do despacho de acusação.

Da primeira vez que foi devolvida à mãe, após dois dias nas mãos dos agressores, a menina tinha um “hematoma na face, os lábios feridos, hematomas pelo corpo e dores” e, nos dias seguintes, “só se alimentava de líquidos”, mas, mesmo assim, a mãe não a levou ao hospital e voltou a entregar a filha, uma semana depois.

Da segunda vez, depois dos fatídicos últimos cinco dias, Jéssica foi entregue, “completamente prostrada”, nos braços da mãe. Apesar de a menina estar em estado “quase inanimado”, a mãe deitou-a na cama, por volta das 10h, e só voltou ao quarto, para ver o estado da criança, cerca das 15h. Só nessa altura contou ao companheiro o que se estava a passar e foi Paulo Amâncio quem deu o alerta, ao INEM, às 15h15, descreve a acusação.

Apesar dos esforços médicos, incluindo tentativas de reanimação, Jéssica viria a falecer nesse mesmo dia, 20 de Junho, às 16h27, no hospital de Setúbal.

A perícia médico-legal concluiu que a criança sofreu agressões como puxões de cabelos que lhe provocaram uma pelada na cabeça, queimaduras no rosto com água ou outro líquido a ferver, palmadas, pancadas e fortes abanões no corpo e cabeça. Agressões que a acusação considera terem infligido “grande sofrimento e tortura” a Jéssica Biscaia.

A perícia confirmou também que as arguidas Ana Pinto e Esmeralda Montes introduziram um invólucro com cocaína no ânus da criança para a usarem como correio de droga. As arguidas massajaram previamente o ânus da criança com lidocaína, um anestesiante local. Nesse transporte, de Leiria para Setúbal, no dia anterior à sua morte, foi colada droga também no interior da fralda da menina. A acusação considera esse abuso uma violação que provocou “dores” e ofendeu a criança de apenas três anos “no seu pudor e dignidade humana, violentando a zona anal, que é especialmente íntima”.

“As agressões físicas na cabeça de Jéssica Biscaia e os austeros e sucessivos abanões perpetrados pelos arguidos Ana Pinto, Esmeralda e Justo Montes, muito provavelmente no dia 19/6/2020, provocaram-lhe obrigatoriamente as lesões traumáticas meningo-encefálicas e intra-retinianas, compatíveis com a síndrome da criança abanada (shaken baby syndrome), que desencadearam a sua morte”, conclui a acusação.

Estes três arguidos, ainda segundo o despacho do Ministério Público, agiram de “comum acordo, em conjunto e na presença uns dos outros”.

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