O caso Invisível e o espírito irrequieto de Duarte Leal da Costa

Os portugueses não se encantam por vinhos brancos tranquilos feitos a partir de uvas tintas, mas o Invisível (135 mil garrafas) é um caso à parte. Porque será?

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A Ervideira produz o Invisível, um branco de uvas tintas de Aragonês, desde 2009. Ricardo Palma Veiga
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A Ervideira produz o Invisível, um branco de uvas tintas de Aragonês, desde 2009.
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A Ervideira produz o Invisível, um branco de uvas tintas de Aragonês, desde 2009.
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Conhecemos Duarte Leal da Costa, líder da Ervideira, no final dos anos 1990, nos bancos do anfiteatro da Estação Vitivinícola da Bairrada (EVB). A EVB foi – e ainda é – uma instituição importante no ensino da enologia, da viticultura e da análise sensorial. O que esta escola fez e faz por muita gente do sector do vinho ainda está por contar (fica para um dia destes).

Num dos cursos (já não me lembro qual) sentávamo-nos na última fila, entre o Duarte Leal da Costa e outro nome grande nome do vinho que saiu precocemente desde mundo num acidente nocturno a caminho da Figueira da Foz: José Mendonça, criador da Quinta dos Cozinheiros, de onde nasceram, em terrenos improváveis (uma vacaria), vinhos de grande nível, com destaque para o Poeirinho (Baga). Zé Mendonça foi um dos arquitectos da energia geotérmica na Ribeira Grande (São Miguel) e Duarte Leal da Costa era o alentejano que atirava piadas por tudo e por nada, pelo que passávamos imenso tempo a rir na última fila do anfiteatro, como se nos conhecêssemos desde os bancos da primária. Às vezes acontece.

Naquela altura, a Ervideira era apenas um projecto. Hoje, passados 25 anos, é um operador de peso no Alentejo, com uma produção anual de 550 mil garrafas. Duarte é um líder obcecado com a inovação. E, com vaidade não disfarçada, nunca perde a oportunidade para destacar os seus feitos.

Diz ter sido o primeiro a plantar Touriga Nacional no Alentejo (em 1989), o primeiro a fazer vindima nocturna e transporte de uvas em camião frigorífico (2000), o primeiro a fazer espumante certificado no Alentejo (2002) e o primeiro a fazer um vinho branco certificado a partir de uvas tintas (2009) na região. Volta e meia, ainda manifesta uma certa azia pelos desmandos revolucionários e pela reforma agrária de 1975 (já lá vão quase 50 anos, caramba), mas, enfim, ninguém é perfeito.

Para hoje, o que interessa é o famoso Invisível, visto que o aumento da procura de ano para ano faz deste vinho um caso de estudo. Se, em 2009, numa altura em que quase ninguém sabia que raio era um blanc de noirs tranquilo, a Ervideira arriscou e lançou 9 mil garrafas, na última colheita foram produzidas 135 mil garrafas.

Estrategicamente lançado no dia 1 de Abril (ninguém acreditaria na ideia de um vinho branco feito a partir de uvas tintas), Invisível é a marca mais importante da empresa (tem 30 referências), representando 25 por cento da facturação. Mais: no Alentejo não existem muitas marcas que vendam 135 mil garrafas a um preço que ronda os 13,50 euros.

Duarte não foi o primeiro a fazer blanc de noirs em Portugal – longe disso –, mas foi ele que meteu este perfil de vinho na agenda. E, claro, depois de lançado com estrondo o Invisível, nasceram vários "invisíveis" em diferentes regiões, com um detalhe que revela bem a maneira de pensar de Duarte Leal da Costa. É que, como de costume, outros produtores quiseram surfar a onda, pelo que tentaram registar marcas com sinónimos da palavra invisível. E o que é que descobriram? Que alguns dos sinónimos possíveis estavam registados no Instituto Nacional da Propriedade Industrial por Duarte Leal da Costa. Esperto.

Por regra, um blanc de noirs é aquela solução que os produtores que só têm uvas tintas encontram para apresentar no seu portfólio um vinho branco (casos de Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo, Pegos Claros ou Diana Silva, na Madeira, por exemplo), visto que um blanc de noirs é isso mesmo: um vinho branco feito a partir de uvas tintas. Ou seja, vinho feito apenas a partir da polpa de uvas tintas que, com poucas excepções, é branca.

Ora, no caso da Ervideira, a questão da ausência de vinhos brancos não se colocava. Aqui o que funcionou – e ainda funciona – é a vontade do produtor de estar sempre a surpreender o mercado. Duarte sabe muito bem que sem novidades se torna mais difícil chamar a atenção do mercado para a sua marca.

Assim, a partir de uma viagem que fez a França para vender vinhos Ervideira, Duarte trouxe um conjunto de garrafas de blanc de noirs e promoveu uma prova com o seu enólogo, Nelson Rolo. Este, que não era fã deste perfil de vinhos (e como o percebemos), não foi de modas e classificou todos os vinhos como “uma grande merda”. Com a esperteza que se lhe conhece, Duarte ditou a sentença: “Muito bem, nesse caso vamos nós fazer uma merda, mas com nível”.

De maneira que, depois de muitas experiências com diferentes castas, a equipa da Ervideira concluiu que a casta Aragonês era a que melhor servia os propósitos, coisa que não deixa de ter a sua piada porque, 13 anos depois, Jorge Alves e Luísa Amorim, na Quinta Nova, no Douro, chegaram exactamente à mesma conclusão (no caso falamos de Tinta Roriz, que é a mesma coisa).

Se o Invisível não foi o primeiro blanc de noirs de Portugal (Luís Pato e José Gaspar já tinham feito experiências nesta matéria), por que razão este vinho se impôs no mercado? Terá o enólogo explorado alguma técnica inovadora? Será que se preencheu uma lacuna de ligação entre comida e vinhos em Portugal? A resposta parece-nos simples: o Invisível é um sucesso porque Duarte Leal da Costa é – sem doutoramentos em gestão – um marketeer com paixão.

A maioria dos produtores lança vinhos por lançar; ele não lança nada sem criar uma bela narrativa à volta do vinho. E, no contacto com o consumidor, com o dono de uma garrafeira, com o dono de um restaurante ou com uma cadeia de distribuição, ele, com aquela maneira de ser alentejana, encanta quem tem pela frente. Mesmo que, por vezes, exagere.

Por exemplo, há uns anos promoveu uma vertical de Invisível em Lisboa com o objectivo de demonstrar que o vinho aguentava qualquer comida que a malta do Solar dos Presuntos nos metesse à frente. Na realidade – e apesar de o vinho até melhorar com dois ou três anos – o Invisível não é uma Maria vai com todos (longe disso), mas Duarte é capaz de dar a volta ao mundo para dizer que o seu Invisível tanto aguenta ostras como arroz de marisco, cabrito ou uma fatia de pudim do Abade de Priscos. Claro que não aguenta tanto, mas, para ele, pouco interessa. O que interessa é a paixão que mete num vinho que é a menina dos seus olhos. Nisso, é um mestre.

Nome Invisível 2022 Blanc de noirs

Produtor Ervideira

Castas Aragonês

Região Alentejo

Grau alcoólico 13 por cento

Preço (euros) 13,50

Pontuação 90

Autor Edgardo Pacheco

Notas de prova Fazer um blanc de noirs sem recurso a muita tecnologia enológica não é coisa fácil. Nós, que acompanhamos esta marca desde que nasceu, sentimos que tem havido uma maior preocupação com o perfil aromático do vinho, que caminha para aquele lado das flores brancas e ervas aromáticas (mas tudo delicado). Na boca, há frescura, alguma untuosidade e doçura. E é esta doçura que faz que o vinho seja uma boa companhia para comidas asiáticas, picantes ou não.

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