Margit Carstensen (1940-2023), a Petra von Kant de Fassbinder
Actriz tinha 83 anos e sofria de enfisema pulmonar. Entre 1970 e 1980, trabalhou por 15 vezes com o realizador alemão, incluindo no papel principal de As Lágrimas Amargas de Petra von Kant.
Margit Carstensen, veterana actriz alemã que foi uma das musas de Rainer Werner Fassbinder, morreu esta quinta-feira, aos 83 anos de idade. O seu falecimento, num hospital da cidade alemã de Heide, perto da aldeia onde morava há vários anos, foi confirmado pela sua agente; a actriz sofria de enfisema pulmonar e há vários anos que se retirara da actividade.
A carreira da actriz ficará para sempre marcada pelo papel principal de um dos filmes-chave do cineasta, As Lágrimas Amargas de Petra von Kant (1972), adaptado por Fassbinder da sua própria peça homónima. Na década que correu de 1970 a 1980, Carstensen e Fassbinder trabalharam juntos em 15 projectos para cinema e televisão, entre os quais Martha (1974), Nora Helmer (1974, adaptado de A Casa da Boneca, de Henrik Ibsen), O Medo Devora a Alma (1975), Roleta Chinesa (1976), A Terceira Geração (1979) e Berlin Alexanderplatz (1980). É sua a voz que dobra a actriz Irm Hermann na adaptação pelo realizador de Effi Briest - Amor e Preconceito (1974), de Theodor Fontane.
Carstensen e Fassbinder conheceram-se em Bremen, para onde a actriz se mudou em 1969, e ela tornou-se parte da sua “companhia regular” de actores, a par de nomes como Hanna Schygulla, Ingrid Caven, Irm Hermann, Peer Raben, Harry Baer ou Kurt Raab. Seria, no entanto, redutor limitar a carreira de Margit Carstensen ao seu período Fassbinder, pois a sua carreira prolongar-se-ia pelo século XXI dentro.
Natural de Kiel, onde nasceu em 1940, Carstensen era filha de um médico e, depois de estudos de teatro, iniciou a sua carreira em palcos regionais antes de se instalar em Hamburgo em 1965, onde fez durante quatro anos parte da companhia da Deutsches Schauspielhaus. Mesmo durante e depois da sua longa colaboração com Fassbinder (que morreu repentinamente em 1982), o palco continuou a ser o seu verdadeiro lar, com residências em Darmstadt, no Staatlichen Schauspielbühnen na então Berlim Ocidental, e em Estugarda, onde trabalhou com Hansgünther Heyme.
Margit Carstensen colaborou com outros encenadores e cineastas “desalinhados” como Christoph Schlingensief ou Werner Schroeter, mas também com nomes mais reconhecidos como os polacos Agnieszka Holland (Angry Harvest, nomeado em 1985 para o Óscar de melhor filme estrangeiro) e Andrzej Zulawski (em Possessão, contracenando com Isabelle Adjani), e cineastas da “nova geração” como Frauke Finstermann, Romuald Karmakar ou Oskar Roehler. A sua versatilidade em palco permitiu-lhe passar sem esforço de William Shakespeare e Carlo Goldoni a John Osborne, Elfriede Jelinek ou Henrik Ibsen.
O seu último papel, para um episódio de 2016 da série televisiva policial alemã Tatort, reuniu-a a três outras actrizes de As Lágrimas Amargas de Petra von Kant: Irm Hermann (falecida em 2020), Hanna Schygulla e Eva Mattes.