FNE: intransigência sobre tempo de serviço dos professores vem do Governo
Novo secretário-geral diz que a Federação Nacional da Educação está disponível para manter as acções de luta no próximo ano lectivo caso o executivo não aceite negociar.
O novo secretário-geral da Federação Nacional da Educação (FNE) considera que a intransigência quanto à recuperação do tempo de serviço dos professores parte do Governo e não dos sindicatos, que continuam a insistir na reivindicação.
"O Ministério da Educação parece-me ser a parte intransigente e aquela que se revela incapaz - porque é a que tem mais capacidade para o fazer - de se aproximar, não digo da totalidade, mas daquelas que são as principais reivindicações dos professores", disse Pedro Barreiros em entrevista à agência Lusa.
Desde o final do ano passado que na Educação se vive um clima de contestação, com greves e protestos que não dão descanso às escolas e ao Governo. Na terça-feira haverá nova greve nacional e, na quarta-feira, a plataforma sindical de nove sindicatos de que a FNE faz parte anunciou que irá mesmo avançar com uma greve às avaliações finais e aos exames.
A principal reivindicação dos professores é a recuperação do restante tempo de serviço que esteve congelado, um tema cuja discussão o ministro da Educação diz já estar encerrada.
Pelos representantes dos docentes, Pedro Barreiros reafirmou que a FNE está disponível para manter as acções de luta no próximo ano lectivo caso o executivo não aceite negociar sobre aquela matéria, mas rejeitou a ideia de que o impasse se mantém por intransigência das organizações.
"Temos feito um esforço muito grande para não sermos vistos como os tais intransigentes, os que querem tudo e não cedem em nada. Nós estamos dispostos a ceder naquilo que possa ser um processo negocial de aproximação de partes, tendo consciência de que não podemos ter tudo já", disse o dirigente sindical, eleito em 21 de Março.
Para a FNE, essa aproximação deve traduzir-se, da parte da tutela, na definição de um calendário para a recuperação faseada do tempo de serviço, garantindo aos professores que, dentro desse período, recuperariam os seis anos, seis meses e 23 dias. "Isso poderia trazer paz às escolas", acrescentou Pedro Barreiros que, com mais de 25 anos de carreira e actualmente no 5.º escalão, também está entre os docentes prejudicados pelo congelamento.
A federação foi a última a juntar-se à contestação, que já se prolongava há mais de um mês quando a FNE aderiu à plataforma sindical, que integra também a Federação Nacional dos Professores (Fenprof).
"Fizemo-lo de forma responsável, dando o benefício da dúvida ao Ministério da Educação", começou por justificar Pedro Barreiros, recordando que numa das primeiras reuniões negociais, o seu antecessor, João Dias da Silva questionou a tutela se valia a pena apostar na negociação.
"A resposta foi que sim", continuou, acrescentando, no entanto, que com o decorrer das negociações o Ministério levou para a mesa de discussão propostas que desagradaram aos sindicatos e, a certa altura, parecia mais preocupado com a contestação nas escolas do que com o "espírito negocial e a responsabilidade social".
"Se o caminho para conseguirmos os objectivos é a luta, vamos partir para a luta", recordou a propósito da decisão de aderir à manifestação nacional que se realizou em 11 de Fevereiro.
Pedro Barreiros considera também que o processo negocial, que na altura incidia sobre a revisão do regime de recrutamento e colocação de professores e mereceu várias críticas dos docentes, foi apenas a ignição para uma série de greves e protestos em que os profissionais elegeram a recuperação do tempo de serviço e o fim das vagas de acesso aos 5.º e 7.º escalões como principais reivindicações, que "estavam adormecidas por todo o período de covid-19".
"Ouvimos da boca do ministro da Educação dizer que respeita, que até compreende essas reivindicações, mas que não têm condições financeiras para fazer essa recuperação", disse ainda Pedro Barreiros, questionando se o Governo deveria encarar essa despesa orçamental como um custo ou um investimento.
Pedro Barreiros promete manter o sindicalismo responsável da organização, mas afirma que terá menos calma na luta dos professores, porque "já foi muito tempo de desconsideração".
Aos 49 anos, o desafio de liderar uma das maiores organizações sindicais do sector da Educação não estava nos planos de Pedro Barreiros, que há apenas um ano tinha assumido a presidência do Sindicato de Professores da Zona Norte.
"A partir do momento em que o assumi (o desafio), tenho que o assumir com total dedicação, força e empenho", afirmou Pedro Barreiros em entrevista à agência Lusa.
O novo secretário-geral reconhece em si algumas semelhanças com o seu antecessor e promete manter a identidade histórica da FNE, que classificou como um "sindicalismo responsável", sem qualquer intenção de "fazer radicalmente diferente daquilo que era feito".
No entanto, identifica também várias diferenças na personalidade de ambos e enquanto João Dias da Silva demonstrava ter mais calma e ponderação, Pedro Barreiros diz ser mais imediatista quanto à obtenção de resultados.
"Com a idade vamos ganhando um pouco mais de calma, mas eu não me quero acalmar, porque já foi muito tempo de perda, muito tempo de luta, muito tempo de desconsideração, e vamos ter que atalhar caminho muito rapidamente para que os professores voltem a ter prazer em ser professor", antecipou o dirigente sindical.
O momento em que assume a liderança da FNE, de contestação no sector, também justifica a sua posição. Actualmente, a principal reivindicação dos professores é a recuperação do restante tempo de serviço que esteve congelado (seis anos, seis meses e 23 dias), mas os problemas na educação não se extinguem aí e, entre as condições de trabalho, o sistema de avaliação de desempenho e o envelhecimento da classe docente, as prioridades são muitas.
"Simultaneamente é um período aliciante, porque as coisas estão de tal forma más que eu terei pela frente a possibilidade de contribuir para inverter tudo aquilo que tão mau tem vindo a acontecer", disse.
Pedro Barreiros admite que o actual contexto e a mobilização de professores, sobretudo a partir do final do ano passado, em torno de outro sindicato, mais recente, também obrigam a olhar para dentro e reflectir sobre a necessidade de rejuvenescer uma organização sindical com já quatro décadas.
"São 40 anos de história que tiveram conquistas, tiveram derrotas, mas quando tivemos derrotas, nunca desistimos de tentar obter e conseguir os ganhos a que nos propomos desde o início", começou por sublinhar, referindo que, nesta nova fase, espera trazer mais dinamismo à FNE e chegar aos poucos professores jovens, muitos dos quais não sindicalizados.
"As organizações precisam muito dessa faísca dos mais novos, que querem demonstrar que há formas alternativas", explicou.
Agora enquanto secretário-geral, Pedro Barreiros também espera contribuir com alguma dessa faísca na liderança da federação e, comparando-se com o seu antecessor, considera que trará, "provavelmente, maior frescura, maior disponibilidade, maior vontade de fazer coisas diferentes e, de certa forma, inovadoras", dando particular atenção às novas tecnologias.
A esse respeito, destaca, por exemplo, as redes sociais e outras formas de comunicação para melhor chegar aos associados, mas também as transformações no ensino e a necessidade de apoiar a formação contínua dos docentes, sem ignorar aspectos como o impacto da inteligência artificial.
Para já, Pedro Barreiros tem pela frente quatro anos enquanto secretário-geral, num mandato que termina em 2027. Foi eleito secretário-geral da FNE em 21 de Maio, no XIII Congresso da federação, com 94,7% dos votos, para um mandato de quatro anos, sucedendo a João Dias da Silva, que ocupava o cargo desde 2004.