Biblioteca Pedro Ivo retoma vocação original e reabre portas ao Porto
Com cerca de 1000 livros, sobretudo dedicados aos mais novos, histórica biblioteca do Marquês reabriu no dia da criança. Ali nascerá, também, um coro intergeracional e multicultural da palavra dita
Antes da sessão inaugural da Biblioteca Pedro Ivo, no jardim do Marquês, Jorge Sobrado foi ouvindo testemunhos de portuenses que, ao assistirem ao aparato da reabertura, esta quinta-feira, no dia da criança, lhe foram segredando as suas memórias naquela pequena biblioteca criada há 75 anos. Também o director do Museu e Bibliotecas do Porto descobrira, há dias, que aquele pequeno espaço de 43 metros quadrados havia sido a biblioteca da sua mãe, moradora da Rua do Bonjardim, ali perto. Por tudo isso, Sobrado não temeu o exagero quando a apelidou de “casa de memória da cidade”. Está reaberta a Biblioteca Pedro Ivo, com um fundo infanto-juvenil com cerca de 1000 livros e programação regular dedicada aos mais novos.
A acção é um “sinal de compromisso”, afiançou Jorge Sobrado: “O compromisso das bibliotecas de continuarem a ser casas abertas, de encontro dos livros com os leitores, dos investigadores com as suas fontes.” Este é um dos pólos de um projecto maior, a Biblioteca Errante, apresentada em Abril, que ambiciona ter uma rede de 15 microbibliotecas pulverizadas pela cidade até ao fim de 2024.
Na Praça do Marquês, a biblioteca Pedro Ivo – aberta de terça-feira a sábado, das 10h às 13h e das 14h às 18h – acolhe sobretudo obras dedicadas à primeira infância, infância e público juvenil, mas também outros géneros e áreas de conhecimento, como literatura, história, geografia, ciências, filosofia e BD.
Estão disponíveis serviços de consulta e leitura presencial – com acesso gratuito à internet e à plataforma Press Reader, com acesso a publicações de mais de 150 países – e podem levar-se livros emprestados e requisitar outros que não estejam por ali.
Rui Moreira nem sempre achou que reabrir aquele espaço como biblioteca infanto-juvenil fizesse sentido. No início de 2020, depois de duas hastas públicas para ali abrir uma cafetaria terem levantado suspeitas de ilegalidades, o autarca anunciou a vontade de acabar com esse negócio e reabrir a casa como “equipamento para fins culturais”. Mas algo com uma “actividade cultural rotativa” e não com uma função fixa.
Esta quinta-feira, Moreira admitiu que os ensaios não foram os mais felizes. A “ideia fundadora de uma biblioteca infanto-juvenil e popular” era mesmo a “melhor opção” - juntando-lhe “novas dinâmicas” angariadas num concurso de ideias lançado pela autarquia.
O vencedor desse concurso, que ali instalará um projecto durante seis meses, foi o Bairro dos Livros, com o “Cor(p)o de Intervenção” – Coro Intergeracional e Multicultural da Palavra Dita”. Será “um pulmão de envolvimento comunitário local à biblioteca”, nas palavras do autarca do Porto.
Catarina Rocha, um dos cinco rostos do Bairro dos Livros, não escondia a felicidade de apresentar a ideia a quem por ali passava. “Há muito que gostaríamos de fazer alguma coisa aqui”, apontou. Minês Castanheira, também da associação cultural, andava a reler o Cancioneiro Popular do Porto e a pergunta começou a bailar-lhe no pensamento: “Por que não actualizar o cancioneiro?”
A proposta levada à Praça do Marquês é precisamente a de reescrever o cancioneiro com a comunidade, cruzando o tanto de diverso que naquela geografia existe, chamando escolas, lares, gente que frequenta o jardim, gente que mora ali ou noutra qualquer parte da cidade. Todos os que quiserem (para fazer parte basta fazer uma inscrição na própria biblioteca ou enviar um email para o Bairro dos Livros). Se “a arte e a cultura são uma ferramenta aglutinadora”, disse Catarina Rocha, este coro quer criar pontes para a unidade daquele território.
À equipa do Bairro dos Livros vai juntar-se André Neves (mais conhecido como MAZE, um dos membros dos Dealema), o poeta Renato Filipe Cardoso, a poeta e bibliotecária Raquel Patriarca e o investigador e livreiro Paulo Brás. Com oficinas de leituras e escrita, de música e dança, com mergulhos na história (do Cancioneiro, da própria biblioteca, da cidade), será criado um espectáculo – e a apresentação já tem palco: o coreto do Marquês.
José António chegou à apresentação da Biblioteca Pedro Ivo já depois de Rui Moreira ter saído. Para grande pena dele. Vinha para contestar o encerramento das casas de banho públicas da Praça. Mas entre a nostalgia dos Aliados ajardinados e daquela praça com outro trato, o homem, morador numa pensão com vista para a biblioteca e livre de uma vida entre drogas há vinte anos, tornou-se no primeiro contacto apontado pelo Bairro dos Livros: “Tem de participar”, tentavam convencê-lo Catarina Rocha e Minês Castanheira. Afinal, reescrever o Cancioneiro é aquilo: resgatar a voz do Porto que não chega aos palcos.