Estamos a um dia do final oficial da "COP do financiamento" e os quase 200 países presentes na cimeira do clima das Nações Unidas ainda não foram capazes de acordar um valor para o Novo Objectivo Colectivo Quantificado (NCQG, na sigla em inglês) para os próximos anos. Na proposta sobre mitigação, parece ser também difícil conseguir-se repetir a linguagem da "transição para o abandono dos combustíveis fósseis", usada no compromisso assumido no ano passado. Por seu lado, os mercados de carbono sob a chancela da ONU, que poderiam vir a ser uma oportunidade para cuidar de territórios vulneráveis, arriscam tornar-se mais uma fonte de greenwashing.

"Vivemos num mundo de pernas para o ar, onde os arquitectos da crise climática, os países desenvolvidos, desviam a responsabilidade para os países em desenvolvimento", ouvimos do representante do Grupo de Países em Desenvolvimento com Visões Comuns (Like Minded Developing Countries, LMDC), Diego Pacheco, da Bolívia, uma das vozes mais contundentes desta COP29. Na quarta-feira, quando questionado sobre o que pensava sobre o valor que a União Europeia parece querer que seja assumido no documento — 200-300 mil milhões de euros, valendo-lhe a distinção satírica de "Fóssil do Dia" —, respondeu apenas: "É uma piada?"

O representante do Grupo de Nações Africanas, Ali Mohammed, do Quénia, reforçou o que têm sido as exigências dos países em desenvolvimento: um provisionamento de pelo menos 600 mil milhões de dólares (cerca de 575 mil milhões de euros) em fundos disponíveis por via de empréstimos ou subvenções dos países desenvolvidos, em conjunto com bancos multilaterais de desenvolvimento, procurando mobilizar um total mínimo de 1,3 biliões de dólares (cerca de 1,25 biliões de euros), que inclui a expectativa de investimento do sector privado, e que os membros do grupo independente de peritos de alto nível sobre financiamento climático (IHLEG, na sigla em inglês) dizem ser exequível.

 
           
          Conteúdo patrocinado          
          Circularidade: descubra o que pode fazer pela economia (e muito mais)

Por que razão estender a vida útil dos equipamentos ajuda o ambiente? É para dar resposta a esta e a outras questões que acontece o Innovators Forum’24. O mote é, precisamente, a circularidade.

         
           
 

A ministra do ambiente da Colômbia, Susana Muhamad, tem sido outra das vozes sonoras na representação dos países em desenvolvimento. "Nem podemos dizer se queremos um número maior ou menor porque não há nenhum número", lamentou a ministra, esta quinta-feira. "Os países que precisam de financiamento não podem ficar no meio dos vossos jogos políticos", acusou a ministra no plenário, dirigindo-se aos países desenvolvidos. "Precisamos de acabar com esses jogos políticos feitos à custa das vidas das pessoas nos nossos países" afirmou Susana Muhamad. Além disso, sublinha, "não podemos sair daqui sem um programa de mitigação". "Qual é a lógica de ter uma convenção sobre o clima se não podemos lidar com o que está a criar o problema?"

Perante o "Qurultay", o formato de reunião escolhido pela presidência azeri da COP29 para a plenária de quinta-feira, a ministra brasileira do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou que "assim como 1,5ºC foi a estrela guia em Dubai, temos que colocar 1,3 trilhão [bilião, na nomenclatura em Portugal] de dólares por ano também como a estrela guia aqui em Bacu".

"É isso que vai mostrar se aquilo que estamos dizendo é coerente com aquilo que estamos fazendo em relação a transformar nossos modelos insustentáveis de desenvolvimento que nos trouxeram uma crise com prejuízos terríveis, sobretudo para os países em desenvolvimento", completou Marina Silva. "O caminho de Dubai, Bacu e Belém é a última chance de inflexão decisiva rumo a 1,5ºC."

Recorro a estas vozes do chamado "Sul global" para mostrar a dimensão da frustração — ou mesmo desespero — de quem vê os seus países aprisionados num sistema que obedece sempre às regras dos países mais ricos. Estes tardam em reconhecer a sua dívida histórica decorrente das enormes emissões de gases com efeito de estufa lançados para a atmosfera que causam as alterações climáticas, que por sua vez atingem de forma mais intensa os países que menos contribuíram para esse desequilíbrio. 

A recta final desta COP29 (que não deve terminar antes de sábado) mostrará se os países serão capazes de encontrar um denominador comum para um compromisso digno para apoiar os países mais vulneráveis às alterações climáticas ou de manter a sua palavra sobre o abandono dos combustíveis fósseis. A nossa jornalista Clara Barata está em Bacu, no Azerbaijão, a acompanhar estes longos dias (e noites) de negociações e de nervos em franja. 

Entretanto, entre as organizações não-governamentais, podemos ir buscar mais palavras fortes para falar sobre a dimensão da injustiça destas negociações. "Isto é financiamento de amendoins", lamentou Meena Raman, da Third World Network, acusando os países desenvolvidos de estarem a bloquear as negociações enquanto mantêm os seus subsídios aos combustíveis fósseis e continuam a investir em novos projectos de energias poluentes. "Paguem ou calem-se."


Temos um convite para lhe fazer. O Azul organiza a conferência Cidade Azul, que decorrerá na próxima quarta-feira, dia 27 de Novembro, em Coimbra. O tema do segundo ano desta conferência é "Clima e Saúde". Pode consultar o programa das palestras e dos workshops aqui (e inscrever-se gratuitamente). Até lá!