As laranjeiras, a grande nespereira no centro do pátio, as trepadeiras e os repuxos de água, a arquitectura podem ser os primeiros elementos a chamarem-nos a atenção. Mas há muito mais para ver e provar no restaurante Cavalariça, que acaba de reabrir o seu pátio andaluz no palácio Duques de Cadaval, em Évora, vizinho do Templo de Diana. Com espaços também em Lisboa e na Comporta, o Cavalariça eborense, estreado há um ano, está pronto para a nova temporada com novidades, tanto neste espaço ao ar livre onde estamos, como nas propostas da ementa.
Em Évora, o restaurante, aberto por convite directo dos proprietários do palácio – que “procuravam um parceiro" para a restauração, como nos conta o chef Bruno Caseiro -, abre-se num interior acolhedor, capaz de nos levar numa viagem por tribos africanas, no caso os Ndebele, com a sua arte e cultura a decorar o espaço com cores vivas e vibrantes. O mote para a decoração assinada pelo designer Jacques Grange foi dado pelas criações da artista Esther Mahlangu, ela própria das tribos Ndebele: uma exposição da pintora, Africa Passions, em 2018, marcou a cidade e o palácio, incluindo com um mural e nas colunas do que é agora o interior do Cavalariça.
É com essa explosão de cores que somos recebidos lá dentro, mas as maiores novidades estão cá fora, tendo o exterior do palácio sofrido algumas obras de intervenção, com destaque para a renovação do pátio andaluz, que ficou ao cuidado do paisagista francês Louis Benech.
Já à mesa, o cuidado é todo de Bruno Caseiro: “Nós sabemos que o nosso conceito, (principalmente porque começámos na Comporta), será tendencialmente mais fácil de comunicar para estrangeiros. E para contrariar essa tendência, nós gostamos de fazer pontes com conceitos, receituários ou referências que o povo português conheça”, explica-nos o chef.
E se Évora é conhecida por ser uma cidade “altamente gastronómica”, como diz, com restaurantes antigos e muitos de referência, o chef quer conquistar especialmente os eborenses. E para isso, conta com algumas "armas" e técnicas: “o fumo, a grelha", as "texturas mais adequadas para determinados produtos”.
A frescura e a qualidade são os pilares em que se quer assentar a cozinha da equipa do Cavalariça, apostada também em trabalhar com produtores de agricultura biológica do Alentejo. “Alguns deles também entregam nos nossos outros restaurantes”, revela Bruno Caseiro. Já os vinhos da carta vão mais além da região e a carta incluem produtores de todo o país, com o objectivo de “representar o máximo de regiões vínicas possível”.
O Alentejo e o mundo na nova carta
A nossa viagem à mesa começa por saborear bem o sítio onde estamos. No couvert, o pão alentejano de massa-mãe, a broa de centeio, a manteiga caseira e o azeite extra-virgem (6€) abrem-nos logo para a cultura gastronómica da região: “Aqui nesta região havia a distinção entre o pão branco e o pão escuro. No passado, o pão branco era associado às pessoas com posses. A brancura era sinónimo de estatuto social. O pão escuro era deixado para as pessoas mais pobres, normalmente de centeio”, explica o chef, numa lição de história e de como os tempos mudam.
A massa-mãe é feita no próprio restaurante, através de um processo de fermentação lenta, sem adicionar fermento químico, e aparece também sob a forma de crackers, que são temperadas com flor-de-sal e pimenta. A manteiga é igualmente caseira, “fermentada cerca de dez dias”, e temperada com sal marinho.
Quando o chef e a equipa começaram a pensar num menu para o novo restaurante, quiseram tornar o início de refeição mais alentejano, com uma lógica de ir “picando e provando”. Exemplo disso é o coelho de escabeche e flatbread de trigo (7,50€), que depois de cozinhado a baixa temperatura, é “laminado fininho, quase como se fosse uma peça de charcutaria”, refere Caseiro. Destacam-se ainda a tortilla do Alentejo (8€), cozinhada com batata, cebola e ovo; a empanada de borrego e molho verde de algas (3€), uma inspiração da subchefe chilena Catalina Viveros, que resulta de “uma massa típica [do Chile] recheada com um ensopado de borrego”, acompanhada de um chimichurri de alga; e, ainda, a orelha de porco panada, alho assado e maçã (6€).
Partilhar é a palavra de ordem
Cozinhar vegetais é uma das grandes paixões do chef Bruno Caseiro, segundo nos diz, referindo que estes pratos devem ser tão “satisfatórios como um prato de carne ou de peixe”. É aqui que entra uma couve-flor caramelizada, com feijão-frade, pinhão e ervas aromáticas (13€), um prato que além do sabor alentejano, tem ainda um toque de piccalilli, “um pickle à base de couve-flor e mostarda, que é feito como se fosse um bechamel”.
A equipa da cozinha também dá o seu contributo na diversidade da nova carta do Cavalariça. O Chile da subchefe Catalina Viveros volta a mostrar a sua influência no prato de peixe selvagem de mar, favas e ervilhas biológicas e molho de espumante (19,50€). Neste caso, a confecção do prato resultou da ideia da “guarnição que o pai de Catalina faz no Chile para pratos de peixe”, em que o iogurte traz alguma acidez e cremosidade ao prato.
Outro exemplo, no caso luso, é o prato de migas de espargos, morcela de arroz e ovo biológico (16€), que resultou de um desafio proposto pelo chef a um dos seus membros da equipa, para cozinhar uma morcela para um evento de Páscoa. O pão alentejano é a base para este prato “guloso”, que tem ainda um ovo estrelado por cima.
Outra entrada em destaque é uma novidade absoluta: o prato de choco salteado, batata nova ao sal, molho fumado de tinta de choco e esparregado (16,50€), chega com “intensidade e riqueza no sabor”: depois de se limpar o choco, explicam, é preparado um dashi que vai ser o ponto de partida para a confecção, que tem como base um esparregado de nabiças.
A laranja dos pobres está mais rica
E se Bruno Caseiro quer continuar a manter viva a história e a tradição locais, torta de citrinos, gelado de camomila e mel (8,50€) é uma das opções que vai estar sempre presente no menu de sobremesas do Cavalariça Évora. “Quando começámos a criar este menu, uma das coisas que nós fizemos foi visitar o Joaquim Arnaud, produtor de vinhos”, começa por explicar Bruno Caseiro. E foi num desses momentos que o produtor de vinhos lhe contou uma história: “Nas casas com menos posses no passado, a sobremesa era uma laranja só, cortada às fatias, temperada com mel e azeite. A que chamavam 'a laranja dos pobres'. E nós quisemos pegar nessa ideia”. Nasceu assim esta sobremesa que agora é enriquecida com um gelado de camomila.
Os sabores de Verão também se mostram nesta carta com o sorvete de framboesa, mirtilos e manjericão roxo (8,50€). Preparado com frutas da época, a sobremesa é “complexa no sabor, porque tem sal na fermentação e um toquezinho de amêndoa amarga”, diz o chef, que não esconde ser esta a sua sobremesa favorita.
A Fugas almoçou a convite do restaurante Cavalariça Évora