Morreu o cabeleireiro catalão Lluís Llongueras, aos 87 anos, com cancro da garganta, em Barcelona, noticia o espanhol El Pais. O profissional criou uma cadeia de salões de prestígio internacional e conquistou o seu sucesso nas décadas de 1960 e 1980. Penteou mulheres famosas, da rainha Sofia a Gala, a mulher de Dali. Llongueras não temia a morte, conta o diário espanhol, pois tinha a certeza que se voltaria a encontrar com os seus antepassados, mas também com a sua filha Cristina, morta num acidente de viação em 1991.
Aga Khan, Salvador Dalí, Isabel Preysler e Lola Flores foram outras das cabeças célebres que passaram pelas mãos de Lluís Llongueras. Em 2019 recebeu o prémio International Hair Legend da principal associação mundial de cabeleireiros, pela sua carreira profissional e contribuição para o sector. Então, mostrou-se feliz pelo reconhecimento e brincou: "Bem, alguns de nós são tão fixes."
Llongueras começou a trabalhar na década de 1950 como assistente de cabeleireiro num salão de luxo, em Barcelona. Então, o que o fascinava eram as clientes, em pleno pós-guerra, parecerem verdadeiras estrelas de Hollywood. O fascínio pelo glamour vinha-lhe da infância, o pai era costureiro. Com o irmão, em 1958, abriu o seu próprio salão e decidiu aplicar ao cabelo o mesmo que o seu pai aplicava à moda, a criatividade e a inovação.
Em 1972, ainda durante o regime franquista, criou o primeiro cabeleireiro unissexo de Espanha e, a partir daí, abriu não só academias, mas também espalhou abriu, em sistema de franchising, cerca de 120 lojas pelo mundo — Portugal incluído, em Lisboa, na Avenida de Roma há um cabeleireiro com o seu nome.
O seu sucesso fez-se do método que criou, que tem o seu nome, e que consiste em dar ao cabelo um corte arrojado e irregular. "Fui o primeiro a criar um corte que despenteava o cabelo das mulheres. Fui o primeiro, juntamente com Vidal Sassoon [1928-2012], já falecido, a abrir uma escola para ensinar as minhas técnicas ao mundo. Em termos de styling, optei por criar um estilo mais mediterrânico... O meu sucesso? Talvez não tenha mais mérito do que ter captado o que as mulheres procuravam", confessou à Nos Magazine.
As maiores desilusões da vida do criador catalão terão sido a morte da filha — ao todo teve seis filhos de duas relações — e a outra foi quando a sua primeira mulher e os seus dois filhos o despediram da sua própria empresa, em 2010, com a justificação que o seu trabalho não satisfazia. Na verdade, a causa para este corte foi a sua vida amorosa, Llongueras decidira viver com a mulher com quem mantinha uma relação secreta e que era 27 anos mais nova do que ele. Dois anos depois, os filhos aceitaram indemnizá-lo, embora não tenham retomado a relação com o pai
Sobre esse tema, ao El País, em 2019, aquando do prémio internacional, comentou: "Foi uma decisão errada dos meus filhos, e o tempo demonstrou-o. (...) Sinto-me mal por eles, porque quem não sabe gerir uma empresa não deve tomar-lhe as rédeas. Mas, bem, tive outras empresas que funcionaram muito bem e a minha vida continua na mesma. Não há problema nenhum."
A carreira de Llongueras foi além do cabeleireiro e passou pela fotografia, pintura e escultura. Uma das suas peças escultóricas mais conhecidas e que fez em parceria com Dali — e pode ser vista no Museu Dali de Figueres — é o quarto com o rosto de Mae West, cuja enorme peruca é de Llongueras. Aliás, Dali, de quem foi amigo durante 27 anos, foi seu cliente, fazia-lhe perucas e postiços para usar em cima do cabelo, "para que não tivesse de o cortar".
Já com Gala, a mulher do artista, teve uma relação tempestuosa, e conta na mesma entrevista ao El Pais: "A Gala não mudou desde os anos 1940. A sua maquilhagem era terrível. Usava o cabelo com um 'arriba España' com uma fita Chanel que a própria Coco Chanel lhe tinha dado, e quase nunca o mudava, ao ponto de ficar esfarrapado e até sujo. A primeira vez que ela entrou pela porta da minha sala, fiquei a olhar para ela, porque era a mulher mais antiquada que alguma vez tinha visto. Ela percebeu a impressão que eu tive dela e nunca me perdoou por isso. A partir desse momento, não sou ninguém para ela. Quando ia ver Dalí, ia para outra sala para não me cumprimentar."
Entre a realeza, Llongueras chegou a pentear Letizia, mas elege a sogra como a mais culta, fala cinco línguas na "perfeição" e com quem se pode ter qualquer tipo de conversa. "Não há muitas pessoas assim. Como pessoa, é excepcional." Também ao La Vanguardia classifica a duquesa de Alba como uma "grande mulher". O cabeleireiro também se dedicou à escrita e publicou num registo autobiográfico Ellas, las mujeres que me han fascina, sobre as suas clientes mais famosas.
Lluís Llongueras foi agraciado com outros prémios como a Creu de Sant Jordi, em 2000, uma distinção anual dada pela administração da Catalunha a pessoas e entidades por terem prestado serviços destacados à região na defesa da sua identidade; bem como a Medalha Presidente Macià, também uma homenagem da região espanhola, pelo seu trabalho. Em 2012 foi galardoado com o prémio AIPP International Legend Award no Royal Albert Hall, em Londres, um reconhecimento pelos especialistas do sector da imprensa internacional.
Na última entrevista que deu, em 2019, Llongueras critica as influencers, que têm os seus 15 minutos de fama e desaparecem; nota que as mães já não vão ao cabeleireiro com as filhas; mas mantém a sua irreverência, lembrando: "Há coisas que experimentei e que apresentei, como o cabelo rapado ou os moicanos, e pensava: 'Não sei que louca vai fazer isto.' E agora atrevem-se a fazê-lo. As pessoas estão mais ousadas. As mulheres na casa dos 50 anos estão a pintar o cabelo de azul. Não faz mal. As pessoas têm de seguir o seu próprio caminho e ser felizes."