Os direitos LGBTIA+ fazem parte de uma variedade de direitos assentes na igualdade e na liberdade, que são constituintes basilares do projecto europeu. É com imensa preocupação que vejo vários retrocessos neste tópico e pouca repercussão nas grandes instituições.
Em 2021, o ainda actual primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán atirou a primeira pedra contra os direitos LGBTIA+ num país cujas leis eram frágeis, embora, num sentido muito primordial, visíveis, ao banir discussões sobre homossexualidade e transexualidade nas escolas e nas televisões públicas.
Até o Harry Potter foi censurado e só passa durante a madrugada. Na altura, a Comissão, o Parlamento Europeu e os altos representantes do Concelho responderam com bastante repúdio e iniciaram-se, entre as bocas mais corajosas, conversas sobre a expulsão da Hungria da União Europeia por não respeitar os direitos basilares sobre os quais a instituição foi criada.
Estamos, agora, em 2023 e o zeitgeist político forçou-nos a dedicar mais tempo aos grandes temas relacionados com a guerra. Na Hungria foi assinada uma nova lei que afirma que a família é constituída por “um homem e uma mulher”, em que “a mãe é a mulher e o pai é o homem” e já é permitida a denúncia anónima de todos aqueles comportamentos que o denunciante considere que violam o “papel da família e do casamento”.
Não obstante ao corte do financiamento europeu a Budapeste em milhões de euros, parece-me que a Comissão responde sempre com algum atraso referente às decisões húngaras. Parece-me, a mim, que, quando o tópico é o desrespeito aos direitos LGBTIA+ por parte de um dos 27, estamos sempre atrás do prejuízo. Ainda respondemos com muito atraso e, dependendo do país visado, com muita apreensão e com a pouca veemência que este assunto merecia.
O problema não está só em Budapeste, claro. Em Itália, o governo de extrema-direita de Meloni ordenou à Câmara de Milão que parasse de registar os filhos de casais do mesmo sexo, isto num país que ainda não legalizou a adopção por casais LGBTIA+. Num momento de cada vez mais integração europeia, ainda podemos permitir que um primeiro-ministro eleito diga publicamente que não pretende ampliar direitos que são, acima de tudo, direitos humanos, durante a sua legislatura?
O que os exemplos da Hungria e da Itália nos demonstram é que, por muito que os direitos nos pareçam sedimentados, o cimento pode ser quebrado e retirado, substituído por um novo. Em Portugal, o pacote legislativo progressista que foi aceite entre 2010 e 2015 colocou-nos na dianteira da Europa, mas não chega e não deve satisfazer um país que se quer colocar na fila da frente das instituições europeias e internacionais.
Vamos, por fim, proibir as terapias de conversão LGBTIA+, tornando-nos o quarto país europeu a proibir esta terrível forma de violência psicológica e física. Estamos, também, a dar os primeiros passos no complexo tópico da identidade de género nos adolescentes e nos estudantes das nossas escolas públicas. No entanto, falta-nos ainda trabalho em leis como o reconhecimento da parentalidade trans, o reconhecimento da pessoa não binária, a adopção do dígito neutro na identificação de género nas instituições e ferramentas governamentais e o acesso gratuito à justiça por parte de vítimas de intervenções médicas em corpos intersexo, que procuram reparações ao direito que era seu e que lhes foi retirado.
A nível europeu não podemos deixar que outros tópicos (como a guerra e o armamento) coloquem uma sombra sobre discussões tão importantes como são os direitos LGBTIA+, que, volto a reforçar, são direitos humanos. Devemos responder veementemente aos países que oprimem a verdadeira liberdade e igualdade de todas as pessoas cidadãs da Europa. A nível nacional devemos criar debate público e não podemos parar nem abrandar o trabalho legislativo para nos colocar nos primeiros lugares dos rankings para a igualdade LGBTIA+. Conseguimos fazer melhor e mais.