Benfica valida época de reformulação com 38.º título

Com uma nova equipa técnica, um futebol atractivo durante boa parte da época e a afirmação de algumas pérolas da academia, as “águias” voltaram a conquistar o campeonato, quatro anos depois.

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O empate em Alvalade garantiu ao Benfica maior conforto na última jornada EPA/JOSE SENA GOULAO
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Cepticismo que se transformou em entusiasmo, entusiasmo que se transformou em preocupação, preocupação que se transformou em expectativa, e, finalmente, expectativa que redundou em celebração. Resumidamente, foi esta viagem por substantivos diversos que o Benfica empreendeu em 2022-23, época de reformatação de um projecto desportivo que passou por uma aposta numa equipa técnica desconhecedora do futebol português e pelo aproveitamento do talento made in Seixal. Feitas as contas, os “encarnados” têm agora o 38.º título nacional do palmarés para argumentarem que a bússola estava afinada.

Um campeonato é, por definição, uma prova de longa distância, com altos e baixos, com momentos de confiança e de dúvida. O Benfica, como qualquer outro campeão, passou por essa montanha-russa. Começou a época a todo o gás, com uma pré-temporada promissora a que se seguiu um ciclo de 13 vitórias consecutivas em jogos oficiais, entre Liga portuguesa e qualificação para a Champions. O primeiro a travar a marcha “encarnada” seria o Vitória SC, com um 0-0 imposto em Guimarães, à 8.ª jornada, num jogo em que os lances de perigo rarearam. Mas tratou-se de uma travagem que não foi sequer suficiente para forçar afinações substanciais.

Os empates com o PSG na Liga dos Campeões atestaram a competência defensiva da equipa, reforçada por um triunfo motivador no Estádio do Dragão (0-1), que catapultou as “águias” para mais uma série de nove triunfos distribuídos por quatro frentes. Nada mau para uma equipa que vendera duas das mais caras aquisições dos últimos anos (Darwin Núñez e Everton), que mudara de treinador e, acima de tudo, de paradigma na forma de abordar o jogo. Em menos de dois meses, o Benfica descaracterizado de 2020-21 e 2021-22 transformara-se numa equipa de futebol vertical, forte reacção à perda e ataques rápidos.

Enzo: e depois do adeus

Com um plantel mais reduzido, por vontade própria, do que aqueles que geria Jorge Jesus, Roger Schmidt desde cedo definiu um “onze-base” e foi com ele até ao fim — naturalmente, com operações episódicas de cosmética quando as circunstâncias o exigiam. Até Janeiro viu a equipa alicerçar-se na segurança oferecida pelo reforço dos reforços, Enzo Fernández, e teve o mérito de não entrar em pânico quando o Benfica fechou negócio com o Chelsea por inusitados 121 milhões de euros. Deixou de haver Enzo, passou a haver Chiquinho. Não era a mesma coisa, mas parecia funcionar.

Pelo meio, meteu-se o Mundial do Qatar. E depois dele uma queda estrondosa no Minho, primeiro com a eliminação da Taça da Liga às mãos do Moreirense (o 1-1 não chegou para seguir em frente), posteriormente com um contundente 3-0 em Braga, naquela que seria a primeira derrota averbada na Liga.

A paragem para o Campeonato do Mundo tinha feito mossa e a equipa demorou um pouco a reagir, retomando a dinâmica anterior já na segunda quinzena de Janeiro. E com ela chegaram mais 10 triunfos de uma assentada no campeonato, no que parecia ter sido a machadada final, a oito jornadas do epílogo.

O título estava à vista e o Benfica recebia o FC Porto, no clássico da 27.ª ronda, com 10 pontos de vantagem. Começou o jogo a ganhar, o que significa que teve virtualmente 13 pontos a mais, mas acabou derrotado (1-2) e saiu do Estádio da Luz com uma margem de segurança mais curta. Mais do que a perda dos três pontos, o efeito anímico da derrota foi claro e o pior período da época bateu à porta, num momento capital. Seguiu-se uma derrota com o Inter Milão, nos quartos-de-final da Champions, e um desaire inesperado em Chaves, para o campeonato (1-0).

Espremida ao máximo

De repente, em três penadas, a equipa que avançava a todo o vapor rumo ao título, que subira montes e vales, que saltara sobre crateras em momentos de aperto na temporada, via-se arrastada para areias movediças. Falou-se em perda de influência de jogadores nucleares (David Neres, João Mário), falou-se em desgaste físico acumulado (por parca rotação dos atletas), falou-se em pouca profundidade do plantel (que assistiu à afirmação plena da academia, na pele de António Silva, Gonçalo Ramos e João Neves). E, com o FC Porto a quatro pontos, a margem de erro passara a ser quase nula.

Pela primeira vez encostado à parede pela exigência dos adeptos, Roger Schmidt lamentou o “ruído criado à volta da equipa”, mas enalteceu a mentalidade dos jogadores e enfatizou o percurso autoritário que as “águias” haviam trilhado até então. A curiosidade residia em saber que tipo de resposta daria o Benfica na hora H e ela chegou em crescendo: 1-0 ao Estoril, 0-2 em Barcelos, 1-0 ao Sp. Braga (com uma das melhores exibições da época) e uma goleada em Portimão (1-5), numa viagem de regresso à voragem ofensiva do início da temporada.

Em Alvalade, uma primeira parte desastrosa impediu a equipa de aproveitar um novo match-point, depois de o FC Porto ter cumprido a missão diante do Casa Pia, primeiro, e do Famalicão, depois. O empate no derby (2-2) permitiu ao Sporting repelir a festa alheia, o que se traduziu num mero empurrão de uma semana para o lado contrário da Segunda Circular.

O último título do Benfica, em 2019, já acontecera precisamente na última ronda, no Estádio da Luz e diante do Santa Clara. Alguns dos jogadores já sabiam ao que iam. As perspectivas eram risonhas para a equipa da casa. E, com a maré vermelha que emoldurou as bancadas da Luz, a lei das probabilidades imperou.

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