“Mariana Mortágua está muito mais preparada do que eu estava”, diz Catarina Martins
Catarina Martins admite que a coordenação de Mariana Mortágua será diferente da sua, mas que a bloquista tem o perfil certo para responder “a este momento político”.
Catarina Martins considera que Mariana Mortágua "está mais preparada" e "tem mais experiência" do que aquela que a ainda coordenadora tinha quando assumiu a liderança do Bloco de Esquerda (BE) há uma década -, lugar que agora deixa, mantendo-se na mesa nacional e na comissão política.
Em entrevista à agência Lusa em vésperas da XIII convenção nacional do BE, que se realiza este fim-de-semana em Lisboa, Catarina Martins antecipa "um Bloco muito combativo" com uma liderança protagonizada pela deputada Mariana Mortágua, cuja moção A que encabeça também é subscrita pela actual coordenadora bloquista.
"Acho que a Mariana está muito mais preparada do que eu estava - o que é importante - quando iniciei as funções de coordenação, tem mais experiência", defende.
Para Catarina Martins, o BE "hoje é diferente" uma vez que, nos últimos dez anos, os bloquistas tiveram "o privilégio" de falar com muita gente e ter um "programa construído pelos maiores especialistas nas mais variadas áreas", o que considera dar "uma enorme consistência" à proposta do partido. "E acho que a Mariana tem tanto a preparação como a combatividade que é necessária neste período que estamos a atravessar. Tenho a certeza de que o fará muito melhor do que eu faria agora", sublinha.
Num momento que classifica como havendo "uma enorme pressão de uma economia muito predadora" em Portugal e em que "o confronto com os grandes grupos económicos é fundamental às decisões políticas", para Catarina Martins "não há quem não reconheça" em Mariana Mortágua essa capacidade.
"A Mariana é uma pessoa muito bem preparada, com uma enorme capacidade e a coordenação dela será necessariamente diferente da minha, mas corresponderá a este momento político e eu tenho a certeza que vai ser muito bem-sucedida, isto se for eleita na convenção que, eu estou convencida que sim", afirma, considerando que "não precisa seguramente" dos seus conselhos.
Numa entrevista na qual anunciou que deixará de ser deputada no final desta sessão legislativa, a ainda líder do BE foi questionada sobre a disponibilidade para continuar nos órgãos do partido. "Existe a vontade de que possa colaborar mais proximamente e mantenho a minha disponibilidade e, portanto, se assim os meus camaradas entenderem na convenção, eu deixo de ser coordenadora, não estarei mais no secretariado nacional, como é normal, mas vou manter-me tanto na mesa nacional como na comissão política do BE", anuncia.
Sobre o facto de nesta reunião só estarem duas moções em debate e votação - por oposição a outros anos quando havia mais textos estratégicos em discussão -, Catarina Martins explica que "se existisse no BE uma fragmentação dos projectos estratégicos para o partido, haveria mais moções". "Não existe. Existe uma coesão interna sobre um projecto estratégico para o BE e é por isso que só há duas moções", justifica.
"O Bloco difere dos outros partidos no seguinte: por um lado, temos muita transparência do nosso debate interno. Desse ponto de vista, não somos, por exemplo, como o PCP, mas o nosso debate interno não é feito em torno de nomes, é feito em torno de projectos políticos", compara.
Quando "muitos outros partidos têm clivagens" ou "partem-se com as pessoas a seguirem um nome ou outro", segundo a bloquista, no BE "isso não acontece" e a discussão "é sobre a linha política". "Isso significa que nós temos muito mais coesão interna e muito mais debate do que é fundamental, não acho que significa que nós tenhamos mais tensões do que os outros partidos, muito pelo contrário", contrapõe.
BE está a "recuperar"
Depois do desaire eleitoral das últimas legislativas, a coordenadora bloquista defende que "o BE está a recuperar e isso sente-se muito", quer nas sondagens - um campo que não considera "o mais seguro" -, mas sobretudo na "interlocução com as pessoas".
"Há muita gente que, com medo da direita e da extrema-direita, votou no PS e hoje está arrependida da maioria absoluta. E há muita gente que, não tendo compreendido porque é que o BE votou contra os últimos orçamentos do PS, hoje, que vive as consequências desses orçamentos, percebe que tínhamos razão, percebe que o BE não podia nunca votar este rumo que está a ser desastroso para o país", exemplifica.
Para Catarina Martins, a credibilidade do seu partido, que considera vir da coerência, "é fundamental e é o maior instrumento para o BE a crescer". "O Bloco é a força política que nunca hesitou em correr riscos para responder ao povo e acho que isso é muito importante. Pusemos sempre à frente das nossas decisões a coerência da proposta sobre as condições concretas de vida das pessoas", sublinha.
Recordando os "momentos mais difíceis" em que foram tomadas decisões que o partido sabia que o podia penalizar, a líder bloquista assegura que "nunca houve ninguém na direcção do BE que achasse que, por um motivo oportunista, partidário, valia mais fazer o que estava politicamente errado". "Isso faz-me sentir muito bem onde estou", afirma.
Sobre o período da sua liderança, a bloquista recorda que foi complicado tomar a decisão de fazer o acordo da "geringonça" de 2015 -, mas que "era absolutamente necessário fazer" apesar das suas limitações -, e também foi complicada "a decisão de votar contra os orçamentos do PS, numa altura em que ainda existia alguma expectativa popular que fosse possíveis entendimentos à esquerda".
"Não há arrependimentos a posteriori. A frustração com o que não se consegue fazer não é igual a arrependimento, são só lições para o que temos de fazer a seguir", responde.
Em relação a momentos importantes desta década de liderança, Catarina Martins destaca a aprovação da adopção por casais do mesmo sexo e a votação da lei da despenalização da morte medicamente assistida antes do final do seu mandato, tendo conseguido "fazer uma luta em que João Semedo também se envolveu tanto e que queria que ficasse bem resolvida".
Em relação ao PCP, Catarina Martins assume que "há distâncias notórias e que mesmo os acordos em tantas matérias não apagam". "Creio, no entanto, que ganhávamos se houvesse uma política de mais articulação em matérias onde estamos de acordo e tenho pena que isso não seja possível, mas enfim, é da vida. Ainda assim, é sinal que nos momentos necessários a convergência aparece", enfatiza.