Açores dão luz verde a moratória até 2050 sobre mineração no mar profundo

Ministério do Mar não se compromete com moratória defendida pela região autónoma. Diz apenas que fundo do mar só se deve se explorar quando soubermos que não provocará danos irreparáveis ao ambiente.

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Uma espécie do mar profundo na região dos Açores, uma medusa NOAA Ocean Exploration?
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A Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores aprovou uma resolução em que recomenda aogoverno regional que aplique uma moratória à mineração em mar profundo em zonas marítimas sob gestão da Região Autónoma dos Açores, até 1 de Janeiro de 2050, incluindo actividades de prospecção.

O documento foi publicado no Diário da República esta semana e teve bom acolhimento do presidente do governo regional, José Manuel Bolieiro (PPD/PSD). “Esteve presente na sessão em que esta resolução foi aprovada por unanimidade, e manifestou-se claramente a favor do texto da resolução. Até então nunca tinha falado sobre este assunto”, relata Ana Matias, da organização não governamental Sciaena. A Associação Natureza Portugal/WWF e a Sciaena tinham entregado o Parlamento açoriano, no início de Março, uma petição com o objectivo de pressionar o poder político para lançar esta moratória.

Foram o Bloco de Esquerda e o PAN dos Açores que levaram uma proposta neste sentido à Assembleia Legislativa, a 20 de Abril. “No início era uma resolução sobre moratória sobre mineração em mar profundo e áreas marinhas protegidas, mas, no decorrer de uma discussão de umas três horas, percebeu-se que o projecto dificilmente seria aprovado se mantivesse a parte das áreas marinhas protegidas”, recorda Ana Matias.

Foi reformulada a proposta, sem mencionar as áreas protegidas, que foi aprovada por unanimidade, por todas as forças representadas na Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores.

Primeira com data

“Tanto quanto sabemos, e trabalhamos com muitas pessoas desta área no planeta inteiro, é a primeira vez que existe uma moratória com uma data, até 1 de Janeiro 2050”, frisa Ana Matias. Cinco anos antes do fim da moratória, a resolução recomenda que se proceda à reavaliação da necessidade do seu prolongamento. “Achávamos que era importante que, além de ter um prazo, tivesse acoplada uma série de condições que têm de ser cumpridas para se levantar a moratória no início de 2050”, conclui.

Para levantar a moratória, prevê-se que se faça uma avaliação sobre se são compreendidos de forma abrangente os “conhecimentos científicos existentes à data sobre os impactos associados à prospecção, pesquisa e exploração mineral dos fundos marinhos”. Pede-se ainda que seja avaliado “o nível informação e literacia da população local sobre os riscos sociais e ambientais associados, de modo que a cessação ou levantamento da moratória dependa do consentimento livre, prévio e informado da população através de mecanismos eficazes de consulta pública e após amplo esclarecimento junto da mesma”.

Os Açores são a zona em Portugal onde poderia haver interesse de prospecção de minerais no fundo do mar. Cerca de 99% do mar dos Açores é concebido como mar profundo, alcançando uma profundidade média de 3000 metros, e importante ponto de passagem para espécies migratórias e mamíferos marinhos, frisa a resolução. Ali existem campos e fontes hidrotermais, locais únicos e de grande diversidade biológica. Mas, a par do seu interesse biológico, as fontes hidrotermais libertam fluidos com grandes quantidades de “sulfitos, ricos em metais, como cobre, chumbo, prata, zinco, ferro e ouro”, é explicitado.

“Se os Açores são a zona onde poderia haver interesse mineiro em Portugal e nos Açores estão a dizer que não querem, a questão que fica é o que é que o país, Portugal, tenciona fazer”, diz Ana Matias. “Idealmente, deveria ser o Parlamento nacional a dizer: ‘Nós também consideramos que isto é muito importante, vamos então adoptar uma moratória nacional.’ É nesta direcção que as coisas deviam ir”, observa.

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Os Açores são a única região portuguesa onde poderia haver interesse na prospecção mineira no mar profundo Nelson Garrido

Até porque há dúvidas sobre em que é que consiste exactamente a jurisdição partilhada da gestão do mar das regiões autónomas. “É uma disputa muito antiga, e no ano passado houve um acórdão do Tribunal Constitucional [TC] que levantou algumas questões sobre quem é que deve ter a última palavra”, diz Ana Matias.

Em Julho passado, o TC considerou inconstitucionais duas normas da lei que regula a gestão do Espaço Marítimo Nacional, aprovada pela Assembleia da República em Outubro de 2020, por remeter para os parlamentos regionais matérias da exclusiva competência dos órgãos de soberania nacional.

No entanto, o Ministério da Economia e do Mar, contactado pelo PÚBLICO, diz não ter comentários a fazer “relativamente à iniciativa do Governo Regional dos Açores”.

“Temos entendido esta resolução como um sinal político claro, por parte dos Açores, e achamos que é importante que o Governo nacional o reconheça e que dê ouvidos à região que receberá os impactos mais directos de uma eventual actividade de mineração em mar profundo”, considera Ana Matias.

Mas há também a considerar qual é a posição de Portugal relativamente às negociações que estão a decorrer sobre a autorização para actividades de prospecção mineira no mar profundo, no âmbito da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos.

A partir de Julho, esta organização, que está mandatada, ao abrigo da Convenção das Nações Unidas sobre a Lei do Mar, para “organizar, regular e controlar todas as actividades relacionadas com a exploração de minerais nos fundos marinhos”, vai começar a aceitar pedidos de autorização de empresas que queiram fazer actividade mineira no fundo do mar.

O conselho de governadores tomou essa decisão, porque estava a chegar ao fim o prazo para dar uma resposta, positiva ou negativa, ao pedido avançado para iniciar actividades de mineração no fundo do mar feito por Nauru, um Estado-ilha do Pacífico Central, em Junho de 2021. Uma empresa faria a exploração mineira em seu nome. De acordo com a Convenção do Direito do Mar, havia um prazo de dois anos para que a autoridade desenvolvesse regulamentações para que essa actividade decorra. Esse prazo caduca em Junho.

Qual a posição portuguesa?

O que é que Portugal defende internacionalmente? Defende uma moratória global, sim ou não? Se não, porquê?, pergunta Ana Matias, criticando o que considera uma posição ambígua portuguesa.

Em Março, 30 personalidades portuguesas, entre cientistas, políticos, artistas, surfistas e defensores do ambiente, assinam uma carta aberta ao Governo português, apelando a que declare uma moratória contra a mineração em mar profundo nas águas sob jurisdição nacional.

Ao PÚBLICO um porta-voz do Ministério da Economia e do Mar disse apenas, por escrito, que “Portugal está comprometido com a protecção e conservação do meio marinho e o uso sustentável do oceano, em linha com o princípio da precaução e no quadro do Direito Internacional, em particular da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar”.

Nesse contexto, diz o ministério liderado por António Costa Silva, “sublinha-se a defesa, pelo Estado português, de que a exploração no fundo do mar só deverá ocorrer quando/se o conhecimento científico e os meios tecnológicos disponíveis permitam assegurar que os impactos decorrentes dessa actividade não provocarão danos irreparáveis ao ambiente e que as decisões nesta matéria deverão sempre ser tomadas com base no melhor conhecimento científico disponível”.

O Governo não se posiciona em relação a uma eventual moratória sobre a mineração em mar profundo. Diz apoiar as negociações que decorrem na Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos. “Ciente da importância do tema e da sua urgência, Portugal defende a busca de consenso sobre o Código Mineiro, dentro do calendário estabelecido.”

De momento não existem perspectivas de que se venham a realizar ou patrocinar actividades de mineração dos fundos marinhos portugueses a curto ou médio prazo, diz a resposta do Ministério do Mar. Completa ainda que “deve existir uma regulamentação tecnicamente exaustiva à luz do melhor conhecimento científico, que assegure a conservação do meio marinho e acautele os impactos ambientais em todas as actividades”.