ICNF votou a favor de adiar a mineração no mar profundo

Em fórum internacional, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas apoiou a decisão de suspender a exploração mineira no oceano até que estejam satisfeitas uma série de condições. É preciso uma avaliação rigorosa e transparente dos impactos da mineração e compreender os seus riscos ambientais, sociais e culturais.

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Nódulo polimetálico com uma esponja em cima Geomar

O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) confirmou ao PÚBLICO que votou favoravelmente uma moção que defendia uma moratória para a mineração no mar profundo. A moção – apresentada por organizações não-governamentais (ONG) do Reino Unido, dos Estados Unidos, da Costa Rica, de África do Sul e da Suíça – foi aprovada por larga maioria no último congresso mundial da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). O ministro do Mar, Ricardo Serrão Santos, diz rever-se na votação do ICNF (que é tutelado pelo Ministério do Ambiente e Acção Climática) a favor da suspensão.

Entre as organizações que apresentaram a moção “Protecção dos ecossistemas e da biodiversidade do mar profundo através de uma moratória sobre mineração no solo marinho”, durante o Congresso Mundial da Conservação da Natureza da IUCN em Setembro, em Marselha, encontrava-se a Sylvia Earle Alliance (Estados Unidos), o Fundo Mundial para a Vida Selvagem (WWF, na Suíça) ou a Fauna & Flora International (Reino Unido).

A moratória não tem um prazo nem é vinculativa: o que estabelece é uma série de condições que, uma vez garantidas, deixará só aí a porta aberta à exploração mineira no mar profundo, que se situa para lá dos 200 metros.

Em plenário da Assembleia Geral da IUCN, que se reúne de quatro em quatro anos, a moção recebeu a aprovação dos seus membros tanto na categoria A (onde se incluem os Estados, agências governamentais e organizações políticas) como nas categorias B (ONG nacionais e internacionais) e C (organizações de povos indígenas).

“O voto do ICNF, enquanto agência governamental (categoria A), foi de aprovação (Sim) à moção relativa à ‘Protecção dos ecossistemas e da biodiversidade do mar profundo através de uma moratória sobre mineração no solo marinho’”, disse o ICNF em resposta ao PÚBLICO, acrescentando que o ministro do Ambiente e Acção Climática português, João Pedro Matos Fernandes, tinha anunciado no congresso em Marselha que estão a ser desenvolvidos os passos necessários para que Portugal adira como Estado-membro à IUCN, organização que serve de referência mundial na área da conservação da natureza, elaborando por exemplo as listas vermelhas sobre as espécies.

A votação do ICNF incluiu-se assim nos 81,8% dos votos favoráveis na categoria A (81 votos) à moção que pedia a moratória para a exploração mineira no fundo do mar, tendo recebido contra apenas 18,1% (18 votos). Abstiveram-se 28 membros. Já nas categorias B e C, os votos a favor atingiram os 94,7% (577 votos), enquanto os negativos se ficaram pelos 5,2% (32) e as abstenções de 35 membros da IUCN.

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Nódulos polimetálicos na Zona de Fractura de Clarion-Clipperton, no Pacífico ROV KIEL6000/GEOMAR

O que diz o documento

No texto aprovado recorda-se que a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA), criada no âmbito da Lei do Mar das Nações Unidas para gerir o oceano pertencente a toda a humanidade para lá das jurisdições nacionais dos países, “já autorizou 30 licenças de prospecção de minérios” em águas internacionais e que “está a trabalhar para adoptar regulamentos de mineração comercial para permitir que se aprovem as candidaturas de países e empresas para a mineração comercial”.

O documento salienta ainda que é necessário garantir informação científica suficiente sobre a biodiversidade e os ecossistemas do mar profundo antes da adopção de tais regulamentos, tendo em conta “o carácter único e vulnerável do oceano profundo e dos ecossistemas do fundo do mar e o seu valor fundamental e intrínseco para a vida na Terra”.

Defende-se ainda que a aposta para satisfazer a procura crescente de minério se faça primeiramente através da economia circular e que apenas se avance para minas no fundo do mar quando a reciclagem e a reutilização de materiais forem insuficientes.

Partindo desta argumentação, no documento pede-se então a moratória para a mineração no mar profundo relativa a novos contratos de prospecção e exploração enquanto não estiverem asseguradas várias garantias. Por exemplo, enquanto não existir uma avaliação rigorosa e transparente dos impactos da mineração e não estiverem bem compreendidos os seus riscos ambientais, sociais e culturais. É preciso garantir, resume-se neste ponto, que há uma protecção eficaz do ambiente marinho.

Além do princípio da precaução, outra das condições pedidas é a de que o princípio do poluidor-pagador esteja em aplicação para a mineração do fundo do mar. “Têm de estar desenvolvidas e implementadas políticas para garantir a produção e o uso responsável de metais, como a redução da procura de metais primários, a sua transformação num recurso eficiente da economia circular e práticas de mineração em terra responsáveis”, lê-se ainda na resolução aprovada. “Mecanismos de consulta pública têm de ser incorporados em todos os processos de decisão relacionados com a mineração do fundo do mar para garantir uma revisão independente eficaz e, quando for relevante, se respeite o consentimento informado prévio e livre das populações indígenas e se obtenha o consentimento das comunidades potencialmente afectadas.”

Pela sua parte, o ministro do Mar reconhece que existem desafios tecnológicos em relação à viabilidade económica e impacto ambiental, a que se juntam ainda questões de carácter jurídico e de governação. “Por isso, considero legítima a preocupação sobre a exploração de minerais dos fundos marinhos por questões ambientais e patrimoniais”, diz Ricardo Serrão Santos em resposta ao PÚBLICO. “Tenho manifestado em diversas ocasiões, incluindo na Assembleia da República, a minha simpatia relativamente a uma moratória internacional para esta actividade até se encontrarem mecanismos científicos, tecnológicos e jurídicos que permitam, por um lado, que os impactos ambientais sejam mitigados, senão eliminados, até níveis considerados aceitáveis para a ciência e para sociedade e, por outro, gerir benefícios justos para as populações e para a humanidade.” Em suma: “Sim, revejo-me na votação do ICNF.”

Ricardo Serrão Santos considera ainda importante que “os cientistas mais envolvidos na gestão sustentável dos fundos marinhos e a sociedade sintam confiança de que a mineração do oceano profundo, a nível industrial, traz globalmente mais vantagens do que desvantagens”. E que Portugal ter mais conhecimento sobre a existência de “eventuais reservas de recursos minerais metálicos nos fundos marinhos sob sua jurisdição é de interesse estratégico para o país”. Isto, acrescenta, vai ao encontro de colmatar o desconhecimento sobre a geologia dos fundos marinhos, dos ecossistemas marinhos profundos e dos impactos ambientais concretos das actividades humanas, incluindo a extracção de minerais do oceano profundo. “Estas preocupações aplicam-se tanto aos fundos oceânicos sob águas internacionais como na plataforma continental sobre jurisdição nacional.”

No entanto, para Ricardo Serrão Santos a moratória “só faz sentido” para “os fundos marinhos sob jurisdição internacional”.

O valor de um texto não vinculativo

Em reacção à resolução adaptada pelo IUCN, Jessica Battle, responsável da WWF pela iniciativa No Deep Seabed Mining, manifestou na altura a sua satisfação, dizendo que este era “um sinal claro de que não há permissão social para abrir o oceano profundo a uma nova indústria extractiva”.

Também a bióloga marinha Catarina Grilo, directora de Conservação e Políticas da Associação Natureza Portugal/WWF (ANP/WWF), destaca o sinal enviado à sociedade. “A moratória não é vinculativa, mas o valor que tem é mostrar que a sociedade civil e várias agências governamentais compreendem que a exploração mineira em mar profundo põe em causa a sustentabilidade do oceano e a protecção dos ecossistemas marinhos”, considera a bióloga portuguesa que, em resposta ao PÚBLICO, diz que a ANP/WWF ficou “muito contente ao saber que o ICNF votou a favor de uma moratória no mar profundo”.

Até porque a WWF já tinha alertado, num relatório de Fevereiro deste ano, para o desconhecimento existente sobre o oceano profundo e recomendava que não se introduzisse mais um factor de perturbação dos ecossistemas marinhos com a mineração até que houvesse informação suficiente. Isto porque, dizia o relatório, além de não se saber exactamente as consequências a extracção mineira nos ecossistemas marinhos, muitos deles ainda desconhecidos, também não é claro que seja menos prejudicial do que a mineração em terra.

“Algumas empresas e um punhado de Estados estão a fazer pressão para acelerar a abertura do fundo do mar profundo à mineração destrutiva – um passo que causará danos irreversíveis na última zona selvagem do nosso planeta numa altura em que precisamos de parar a perda de biodiversidade e reduzir a nossa pegada nos sistemas naturais do planeta”, dizia ainda Jessica Battle. “O mar profundo está largamente inexplorado, mas de cada vez que os biólogos e ecólogos participam num mergulho mostram que é frágil, cheio de vida e tem muitas funções importantes de que os humanos e o planeta precisam. O foco agora deve ser encontrar alternativas aos minérios das profundezas”, acrescentava a bióloga do WWF, que a seguir deixava um desafio: “Apelamos a que os Estados peçam à Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos que ponha em cima da mesa uma moratória e vote aí também um retumbante ‘não’ à mineração no mar.”

Uma das empresas interessadas na mineração é a belga Global Sea Mineral Resources (DEME-GSR), que desenvolveu o Patania II, um robô colector de nódulos polimetálicos que em meados deste ano foi testado a quatro mil metros de profundidade no Pacífico. Depois do percalço de o cabo de ligação do robô ao navio de onde era comandado à distância ter sido cortado, a empresa conseguiu restabelecer a ligação com o Patania II e diz que o teste foi um sucesso. Este teste foi acompanhado por um consórcio de cientistas externos à empresa belga, no âmbito de um projecto de europeu, que inclui cientistas portugueses, com o objectivo de investigar as consequências ecológicas da mineração no alto-mar e soluções de mitigação desses impactos nos ecossistemas.