Ex-membro do Governo Bolsonaro acusado dos homicídios de Bruno Pereira e Dom Phillips na Amazónia

Polícia Federal brasileira considera que Marcelo Xavier, que liderou a Fundação Nacional dos Povos Indígenas com Bolsonaro, conhecia os riscos e sabia que um ataque poderia acontecer, mas não agiu.

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Protesto contra Jair Bolsonaro e Marcelo Xavier, em Junho do ano passado, pouco depois de Dom Phillips e Bruno Pereira terem sido assassinados Adriano Machado/REUTERS
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A Polícia Federal (PF) do Brasil indiciou o ex-presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) Marcelo Xavier por homicídio com dolo eventual no caso da morte do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, em Junho do ano passado.

A PF alega que Xavier, inclusive por ser polícia, tinha conhecimento da realidade e dos riscos que viviam as pessoas que actuavam no Vale do Javari, na Amazónia, e sabia que um ataque poderia acontecer, mas não agiu face à situação.

A Folha tentou falar com o ex-presidente da Funai por telefone e mensagem, mas não obteve resposta até à publicação deste texto.

O indiciamento cita o esvaziamento da Funai, a perseguição a Bruno Pereira quando este era dos quadros da fundação, o pedido de socorro de funcionários no Vale do Javari desde 2019 (que nunca foi atendido) e uma acção civil pública que exigia que fossem aplicadas medidas de segurança na região. Marcelo Xavier nada fez.

A PF ainda indiciou Alcir Amaral, também agente da PF e que era um dos homens de confiança de Xavier. Ex-coordenador de geral de monitoramento territorial, chegou a assumir como presidente substituto da Funai em 2019, na época do assassinato do indigenista Maxciel Pereira dos Santos.

Amaral também não respondeu à tentativa de contacto da Folha.

Seis anos de prisão

A PF sustenta a decisão com base no artigo 18 do Código Penal, que pode levar a seis anos de prisão. O entendimento é que o presidente da Funai tinha conhecimento da situação e do seu consequente possível resultado e, ao não agir, "assumiu o risco de produzi-lo".

O mesmo pode acontecer no caso de Amaral.

Segundo a PF, ambos tinham "a consciência das consequências prováveis, bem como o consentimento prévio do resultado criminoso". Ou seja, sabiam que a situação no Vale do Javari poderia levar a um homicídio.

A polícia vê ainda a existência de "deliberada omissão nas devidas medidas de protecção que deveria ter adoptado na protecção dos servidores [funcionários] que tinham o dever de fiscalizar crimes ambientais" e cita ainda um "anunciado desmonte [esvaziamento] da estrutura" da Funai.

O indiciamento lembra ainda uma reunião — de Outubro de 2019, na qual funcionários da fundação no Vale do Javari alertaram a direcção para a situação na região — para sustentar que tanto Xavier quanto Amaral tinham conhecimento da situação.

Xavier foi nomeado para a presidência do órgão no governo Jair Bolsonaro em 2019 e foi exonerado em Dezembro do ano passado, a poucos dias do fim do mandato do Presidente da República. Ele foi a figura chave no processo que levou à saída de Bruno Pereira da Funai.

O Governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que tomou posse em Janeiro, nomeou a ex-deputada indígena Joenia Wapichana para dirigir a fundação.

Falta de protecção

Desde 2019 que os funcionários vinham alertando o comando da Funai para a falta de protecção de quem trabalhava na região e pediram providências, o que posteriormente reforçou a suspeita de omissão.

O caso de Maxciel Pereira dos Santos, que não foi solucionado, corre em paralelo ao de Bruno Pereira e de Dom Philipps, mas há a suspeita de ligação entre os mandantes e os autores. Daí que possa haver partilha de provas ao longo das investigações.

A gestão de Marcelo Xavier ficou marcada por acusações de perseguição e assédio moral contra funcionários, pela redução da força de trabalho, por medidas contrárias aos interesses de entidades indígenas e pela proximidade com representantes de garimpeiros, madeireiros e do agronegócio.

Após o então delegado da PF assumir a Funai, em 2019, o indigenista Bruno Pereira, então chefe da Coordenação-Geral de Índios Isolados e Recente Contacto pediu para deixar o cargo e foi trabalhar para a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), justificando que os obstáculos postos pelo Governo Bolsonaro e pela gestão de Xavier na Funai o impediam de continuar o seu trabalho em defesa dos povos indígenas, sobretudo os isolados.

Exclusivo PÚBLICO/Folha de S.Paulo

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