Segunda volta confirmada nas presidenciais turcas

Eleições presidenciais e legislativas marcadas por uma participação histórica e seguidas de uma contagem com trocas de acusações entre a oposição e o regime e por muita, muita ansiedade.

Apoiantes de Erdogan esperam declarações do Presidente
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Apoiantes de Erdogan esperam declarações do Presidente TOLGA BOZOGLU/EPA
Apoiantes da candidatura de Kiliçdaroglu aguardam pelos resultados em Ancara
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Apoiantes da candidatura de Kiliçdaroglu aguardam pelos resultados em Ancara YVES HERMAN/Reuters
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Como se previa, a contagem de votos nas eleições turcas de domingo decorreu num ambiente extremamente tenso e terminou com a confirmação de uma segunda volta: o Presidente Recep Tayyip Erdogan obteve 49,51% e o seu principal rival, Kemal Kiliçdaroglu, somou 44,88.Numas eleições com tanto em jogo, houve um dado absolutamente extraordinário, com a participação a situar-se nos 93,6%, de acordo com os media turcos, bem acima dos perto de 87% de 2018 – um valor quase inacreditável, não a julgar pelo entusiasmo ou pelas longas filas, mas tendo em conta que o devastador sismo de Fevereiro obrigou mais de 3 milhões de turcos a mudarem-se para uma província diferente daquela onde estão registados.

Tanto o AKP (Partido da Justiça e do Desenvolvimento, conservador-islamista), de Erdogan, no poder há 20 anos, como o principal partido da oposição, o CHP, à frente de uma aliança de seis partidos que apoia a candidatura de Kiliçdaroglu, foram fazendo declarações de optimismo. Mas a oposição e alguns observadores admitiram que o partido no poder estivesse a manipular a divulgação dos dados para criar a ideia de que tudo se encaminhava para a sua vitória ou, pelo menos, para uma segunda volta – isto numa altura em que a contagem da oposição dava vantagem a Kiliçdaroglu.

“Não vamos admitir, já vimos este filme demasiadas vezes”, afirmou, perto das 24h (22h, em Portugal continental), Meral Aksener, chefe do segundo maior partido na aliança de Kiliçdaroglu. “Vamos perseguir todos os votos depositados pela nossa nação até ao fim. Ficamos aqui até de manhã. Não se preocupem; está tudo bem – o sol está no seu lugar! NÓS ESTAMOS A VENCER”, escreveu no Twitter a líder do Iyi, o Bom Partido, da extrema-direita nacionalista.

“Vocês estão a bloquear a vontade do povo", acusou, quando era já quase uma da manhã, Kiliçdaroglu, numa conferência de imprensa onde explicou que os resultados de algumas urnas já tinham sido impugnados pelo AKP onze vezes, obrigando a sucessivas recontagens. "Repito: não bloqueiem a vontade de povo.”

Horas antes, em declarações ao canal de televisão Fox, um dos poucos que dá voz à oposição, o jornalista Murat Yetkin afirmava que Erdogan instruíra a Agência Anadolu e a televisão estatal TRT para “tentarem manter a diferença entre ele e Kiliçdaroglu à volta dos 10% até [ele] fazer uma declaração”. “Parece que Erdogan quer um facto consumado”, analisou, no Twitter, Merve Tahiroglu, que dirige o Programa Turco do POMED – Project on Middle East Democracy. “Ele pode tentar usar a confusão sobre a contagem de votos para fazer uma declaração prematura sobre a ausência de um vencedor claro e empurrar a eleição para uma segunda volta”, escreveu Tahiroglu.

Na Turquia não há projecções, apenas resultados reais que vão sendo divulgados directamente, a partir das assembleias de votos, pela Anadolu, e tidos como “oficiais”: a agência enfrentou enormes críticas nas eleições municipais de 2019, acusada de atrasar a divulgação de votos nas assembleias favoráveis à oposição, levando outros media a declarar a vitória dos candidatos do AKP – foi o que aconteceu em Istambul e Ancara, onde os vencedores foram os candidatos do CHP (Partido Republicano do Povo, centro-esquerda, kemalista e laico), de Kiliçdaroglu.

"Heróis da democracia"

No domingo à noite, a partir da contagem de 94,29% de “urnas abertas” (uma segunda base de dados diz respeito aos resultados certificados), a Anadolu atribuía 49,6% a Erdogan e 44,7% a Kiliçdaroglu. Pela mesma hora, numa conferência de imprensa, o presidente da câmara de Ancara, Mansur Yavas, do CHP, continuava a referir-se a Kiliçdaroglu como “o nosso 13.º Presidente”, garantindo que o candidato da oposição continuava “a liderar” e podia vencer à primeira volta, mas admitindo, pela primeira vez, que talvez fosse preciso um desempate. Pelas duas da manhã, os dados do partido davam 48,93% a Kiliçdaroglu e 45,13% a Erdogan.

A única constante nos números da Anadolu, da agência rival (e próxima da oposição), do Supremo Conselho Eleitoral (YSK) e dos partidos eram os cerca de 5,3% conseguidos pelo terceiro candidato, o antigo académico Sinan Ogan (um ultranacionalista que disputou a perdeu a liderança dos nacionalistas de extrema-direita do MHP, aliados de Erdogan). “Ninguém tem o direito de causar mais tensões na sociedade”, declarou Ogan, avisando os dois rivais para se coibirem de fazer declarações até os resultados serem mais claros e não adiantando nada sobre que apelo fará aos seus apoiantes se for confirmada nova ida às urnas.

Esta segunda-feira à tarde, quando faltavam contar 35 mil votos, o YSK anunciou que Erdogan obtivera 49,51% e o seu principal rival, 44,88%. Ogan somou 5,17%.

“Quero falar aos nossos heróis da democracia. Nunca deixem as urnas, não importa o que aconteça, até à entrega do relatório final assinado de cada urna”, pedira Kiliçdaroglu, algum tempo depois do encerramento das urnas. “A plena e correcta manifestação da vontade do povo depende da vossa determinação. Vão ver que o vosso cansaço vai valer a pena.”

Alterações de leis nos últimos anos permitiram a Erdogan colocar juízes próximos no YSK e isso já lhe permitiu conseguir recontagens e até à repetição das eleições de 2019, em Istambul. Mas qualquer turco que o deseje pode assistir à contagem dos votos e, entre a oposição, e dois movimentos da sociedade civil, foram mobilizadas cerca de 500 mil pessoas para monitorizar o processo.

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