Ordem dos Médicos desmente DGS e vai pedir revogação da orientação para os partos
Representantes da OM na Comissão de Acompanhamento da Resposta em Urgência de Ginecologia/Obstetrícia e Bloco de Partos pediram demissão e não vão ser substituídos.
Depois de uma reunião, na tarde de sábado, com os membros do Colégio da Especialidade de Ginecologia e Obstetrícia, para analisar a orientação da Direcção-Geral da Saúde (DGS) sobre os cuidados de saúde nos partos, o bastonário da Ordem dos Médicos (OM), Carlos Cortes, saiu com uma mensagem muito clara: “Os membros nomeados pela ordem não tiveram conhecimento do documento final, todos eles pediram a demissão da comissão [de Acompanhamento da Resposta em Urgência de Ginecologia/Obstetrícia e Bloco de Partos] e eu não vou nomear substitutos”. O passo seguinte é pedir a revogação da orientação.
Em causa está a orientação da DGS, publicada esta semana, e que estipula que os partos normais, considerados de baixo risco, ficam a cargo dos enfermeiros especialistas de saúde materna e obstétrica. A responsabilidade por part0s complexos e que exijam o recurso a instrumentos mantêm-se sob responsabilidade dos obstetras.
Esta sexta-feira, quando a orientação foi tornada público, a OM criticou a DGS por emitir ao documento “sem a consulta prévia da Ordem dos Médicos”. Ao início da tarde de sábado, em comunicado, a DGS garantia que cinco representantes da OM tinham acompanhado os trabalhos que levaram à definição da orientação “desde o início ao fim dos trabalhos” e que o documento final fora “validado por todos eles”.
Mas, depois da reunião de emergência convocada para analisar esta questão, entre outras, o bastonário da OM desmentiu ao PÚBLICO esta versão do processo. “Tinham dado contributos muito importantes para a segurança da grávida e da criança que não foram tidos em conta. Ficaram surpreendidos, desconheciam aquela formulação. A decisão que todos tomaram é de saída da comissão”, disse Carlos Cortes.
O bastonário garante que não vai indicar substitutos para a comissão criada no ano passado e coordenada por Diogo Ayres Campos. “A primeira medida que vamos tomar é pedir a revogação da orientação, mas a nossa posição geral será muito mais dura do que esta. Há uma perda de confiança institucional que se está a desenhar. A Ordem dos Médicos entende que não foi respeitada neste processo. Há uma forma de trabalhar com a qual a Ordem dos Médicos não se revê minimamente. Não é assim que as instituições devem trabalhar umas com as outras”, diz.
Ao início da noite, numa nota de esclarecimento, a OM reiterava as informações prestadas pelo bastonário ao PÚBLICO, especificando que “o não envio ao Conselho Nacional da Ordem dos Médicos do relatório final da Comissão de Acompanhamento da Resposta em Urgência de Ginecologia/Obstetrícia e Blocos de Parto - que deu origem à orientação referente aos cuidados de saúde durante o trabalho de parto emitida pela Direcção-Geral da Saúde - configura um desrespeito institucional e revela uma actuação não cooperante numa matéria de grande relevância para a população e para os cuidados de saúde em Portugal”.
Para Carlos Cortes, ao optar por uma orientação que deixou de fora as questões levantadas pelos elementos nomeados pela OM, a DGS apresentou “um documento que perde qualidade”. “Perdeu-se uma oportunidade de se poder melhorar muito nesta área”, considera.
Com o pedido de revogação da orientação, a OM pretende que o processo seja reiniciado, para que possa ser “discutido, inclusivo e transparente, e que garanta a melhor qualidade dos cuidados de saúde às mães e às crianças”, lê-se no esclarecimento enviado às redacções.
A orientação em causa resulta de uma proposta da comissão coordenada por Diogo Ayres Campos, que fundamentou as mudanças propostas com a necessidade de “uniformizar os cuidados” de acordo com “aquelas que são, actualmente, consideradas internacionalmente as melhores práticas de saúde nesta área, baseadas na evidência científica disponível” e “clarificar” o papel dos vários profissionais.
Ao contrário da OM, a Ordem dos Enfermeiros manifestou-se a favor da orientação.
Já este sábado, o Observatório da Violência Obstétrica em Portugal “felicitou” a criação de uma orientação, pela autonomia (ainda que não total) que confere aos enfermeiros especialistas, mas considera também que várias práticas ali referidas, como episiotomias [incisão entre o ânus e a vulva], já não são recomendadas, pelo que a orientação deve ser revista, constituindo, neste aspecto “um retrocesso relativamente ao reconhecimento da autonomia das mulheres”.