Alaíde Costa ao vivo em Portugal: “Chegou a minha vez de ser prestigiada”

Figura histórica da música brasileira, actua pela primeira vez em Portugal aos 87 anos, 70 de carreira, com a Orquestra de Jazz do Algarve. Sexta e sábado, em Lagoa e Faro.

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Alaíde Costa DR
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Apesar de ser frequente nos palcos portugueses a presença de muitos dos grandes nomes da música brasileira, e também de muitos emergentes, Alaíde Costa nunca actuou em Portugal. Cantora e compositora, presente nos alvores da bossa nova e com vasta discografia, estreia-se agora, quando já soma 70 anos de carreira e quase 88 de vida (nasceu no Rio de Janeiro a 8 de Dezembro de 1935). E traz um disco novo, feito à sua medida: O Que Meus Calos Dizem Sobre Mim.

Lançado em 2022, com produção de Marcus Preto, Emicida e Pupillo, é esse disco que está na base de dois concertos com a Orquestra de Jazz do Algarve, o primeiro já esta sexta-feira, em Lagoa, no Auditório Carlos do Carmo (21h), e o segundo no sábado, em Faro, no Teatro das Figuras (21h30). Só ela, com a sua voz e o seu repertório, e a orquestra.

Chegada a Lisboa na terça-feira, e antes de rumar ao Sul para os primeiros ensaios, Alaíde Costa falou ao PÚBLICO da sensação desta estreia. “Estou bastante surpresa e emocionada, porque é a primeira vez que venho me apresentar em Portugal e com uma orquestra daqui.” Na bagagem, traz o novo disco, onde se alinham oito canções com as assinaturas de Céu e Diogo Poças (Turmalina negra), Fátima Guedes (Nenhuma ilusão), dela própria em parceria com Nando Reis (Tristonho), Guilherme Arantes (Berceuse), Emicida com Ivan Lins (Pessoa-Ilha), Erasmo Carlos com Tim Bernardes (Praga), João Bosco e o seu filho Francisco Bosco (Aos meus pés) e uma outra parceria de Emicida, desta vez com Joyce Moreno (Aurorear).

Quando Marcus Preto a contactou, dizendo-lhe que o rapper, cantor e compositor Emicida queria fazer um disco com ela, Alaíde Costa estranhou, uma vez que o trabalho dos dois é muito diferente. “Mas no mesmo instante, pensei: ele é uma pessoa muito inteligente, não vai fazer qualquer coisa comigo.” E o resultado ainda a deixou mais satisfeita, porque o álbum não só a retrata como a experiência foi para além dele, até em quantidade. “A gente vai fazer inclusive um segundo disco, porque foram músicas de mais”, adianta a cantora. “Ainda tem músicas do Francis Hime, do João Donato, do Marcos Valle, e de muita gente jovem também.”

No Algarve, além da totalidade do disco, Alaíde cantará ainda uma canção de Suely Costa, outra de Fátima Guedes e uma versão da portuguesa Menino de oiro, de José Afonso: “Trouxe a partitura dessa música para eu cantar. Não conheço a obra dele, conheço essa música.”

Na sua carreira, teve muitos parceiros musicais. “Sinto muito orgulho de ter tido parceiros ilustres como Hermínio [Bello de Carvalho], Vinicius [de Moraes], Tom Jobim, Johnny Alf, Oscar Castro-Neves, Geraldo Vandré, muita gente assim.” Dedicou discos inteiros a vários deles, como Tom Jobim (EP, 1960), Hermínio Bello Carvalho (2005), Milton Nascimento (2008), Johnny Alf (2010), José Miguel Wisnik (2020) ou Eduardo Santhana (2021).

No texto que anuncia estes concertos, o produtor Marcus Preto escreveu: “Alaíde é a única mulher na ficha técnica do clássico Clube da Esquina (1972), de Milton Nascimento e Lô Borges. Compositora sofisticada, escreveu canções com Vinicius de Moraes e Geraldo Vandré, entre outros grandes. Interpretou como ninguém as obras de Hermínio Bello de Carvalho e Johnny Alf. Atravessou os anos 1980 lançando álbuns independentes, já que gravadoras queriam dela o que ela não queria dar – e fazer concessão nunca foi uma possibilidade para Alaíde.” Ruy Castro, no seu livro Chega de Saudade, escreve que “as gravadoras diziam que ela era difícil para o público”, embora Alaíde preferisse “ver naquilo um mal disfarçado racismo”. E cita-a: “Para eles, uma crioula só podia cantar sambas e rebolar na avenida.”

Agora, Alaíde Costa confirma essa sua luta contra o preconceito, que persiste, tal como contra o racismo. Ainda assim, considera-se vitoriosa: “Há um ditado no Brasil que diz: ‘Deus tarda, mas não falha’. Estou agora completando 70 anos de carreira, vou fazer 88 anos, e está vindo o reconhecimento. Eu nunca desisti, não fiz concessões para ter um sucesso imediato, e acho que chegou a minha vez de ser prestigiada.”

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