Ataque em sinagoga na Tunísia terá sido um acto isolado
Atentado perpetrado por agente da autoridade na ilha de Djerba causou cinco mortos e oito feridos.
O autocarro pára e os peregrinos saem, engrossando a fila à porta da sinagoga mais antiga de África. Eles com os solidéus judaicos na cabeça, elas com um lenço ou um chapéu. Tal como nos aeroportos, há guardas, máquinas de raio-X e detectores de metais. Antes de entrarmos, uma placa lembra o atentado em Abril de 2002 e as vítimas do mesmo. Na terça-feira, um ataque perpetrado por um agente de autoridade fez cinco mortos e oito feridos.
Se, em 2002, o atentado onde morreram 21 pessoas foi reclamado pela Al-Qaeda, desta vez tratou-se de um acto isolado, informou o Ministério do Interior tunisino. Entre os mortos está um turista francês, avançou o ministro dos Negócios Estrangeiros.
Antes de chegar ao local, um guarda numas instalações navais da ilha matou um colega para ficar com as suas munições e dirigiu-se a El Ghriba, a sinagoga onde, no início da semana, se deu a grande peregrinação anual. Trata-se de uma cerimónia onde a comunidade judaica na diáspora e a local se reúnem para orar e cumprir as suas tradições. O atacante matou dois agentes e dois visitantes, antes de ser abatido no local.
Mais de 2000 peregrinos
O grande rabino da Tunísia, Haim Bittan, sediado em Djerba, avança aos jornalistas que estão na cidade mais de 2000 pessoas. Bittan sabe, porque é o responsável pelos alojamentos de quem chega. Há seis hotéis que recebem as peregrinações organizadas, diz na véspera do ataque. Contudo, os jornais La Presse de Tunisie e o Le Monde falam de sete mil e de cinco mil peregrinos, respectivamente. De recordar que o evento foi interrompido durante dois anos por causa da pandemia.
Antes do atentado de há 21 anos, chegavam a Djerba dezenas de milhares de peregrinos, assegura Bittan. Vêm de toda a Europa, EUA e Israel e a sua maioria tem raízes naquela ilha que fica a cerca de 500 quilómetros da capital, continua o responsável religioso enquanto acompanha uma visita dos jornalistas à escola talmúdica, onde cerca de 60 rapazes estudam. Antes disso, os jornalistas estiveram na escola básica de Essouani, frequentada por crianças muçulmanas, judias e cristãs. Actualmente, a comunidade judaica em Djerba é de 1500 pessoas.
Enquanto fala com a comunicação social — um grupo de cerca de 30 jornalistas europeus e norte-americanos, convidados pelo Turismo da Tunísia para assistir às cerimónias — sobre as origens da comunidade e a sua relação pacífica com a maioria muçulmana, no pátio da escola talmúdica, Bittan é interrompido pelo corpo de segurança do embaixador dos EUA. O mesmo que, horas depois, o PÚBLICO vê passar no interior do complexo da sinagoga, rodeando alguns convidados.
Segundo a Reuters, nesta segunda-feira, o embaixador norte-americano, Joey Hood, visitou a sinagoga, juntamente com a enviada dos EUA para a monitorização e combate ao anti-semitismo, Deborah Lipstadt.
Tiros ouvidos no interior
A segunda-feira, véspera do ataque, foi o dia de maior afluência de fiéis por causa das cerimónias, festejos e procissão. A sinagoga enche-se de gente. São as mulheres que se descalçam para entrar numa sala lateral onde, tal como nas igrejas católicas, há ex-votos, que confirmam promessas cumpridas. São elas que, em fila, depositam ovos imaculados com pedidos escritos na casca, num local especial, longe dos olhos dos mais curiosos. São também elas que acendem velas de agradecimento ou pedidos.
Há uma mulher que acidentalmente queima o lenço que traz na cabeça, levando a que, em segundos, se gere o pânico e centenas de pessoas se precipitem para as duas estreitas portas da sinagoga, testemunha uma jornalista francesa. No edifício ao lado, onde havia música, leilões e comes e bebes nos pátios, ninguém se apercebeu do incidente.
Nesta terça-feira, ao final da tarde, quando o movimento era mais reduzido do que no dia anterior, foi diferente. O ataque aconteceu no exterior do complexo, que está fortemente protegido, com carros e militares armados, duas horas depois de o PÚBLICO ter estado no mesmo local.
No interior da sinagoga ouviram-se os tiros que foram trocados no parque de estacionamento, conta um jornalista francês, que se encontrava dentro do complexo. Imediatamente as portas foram fechadas e os peregrinos permaneceram no interior até a sua saída em segurança estar assegurada, horas depois.
Também em frente aos principais hotéis, que por norma têm guardas e os seus portões estão fechados, foram colocados carros militares no exterior. Assim como, durante estes dias, nas principais estradas houve checkpoints da polícia, cujos agentes paravam alguns carros ou mesmo autocarros de turismo, questionando sobre o destino para onde seguiam ou fazendo revistas.
Em 2015, duas estâncias turísticas e o Museu Bardo, em Tunes, foram atacadas por terroristas. Os atentados foram reivindicados pelo Daesh e morreram 38 turistas nos resorts, entre os quais estava uma portuguesa de 76 anos; e 17 turistas no museu. Mais recentemente, em 2020, houve uma explosão contra a polícia à porta da embaixada dos EUA, que matou um agente; e, no ano anterior, duas explosões suicidas tiveram como alvo a polícia à porta da embaixada francesa, matando também um agente.
O PÚBLICO está em Djerba a convite do Turismo da Tunísia