“Principal beneficiário” dos fundos Airbus na TAP “foi o Estado”, diz Lacerda Machado

O ex-administrador da TAP, e que negociou a reversão parcial da privatização em 2016, classificou David Neeleman e Humberto Pedrosa como “empresários notáveis”.

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Diogo Lacerda Machado negociou reforço do Estado na TAP após privatização LUSA/ANDRÉ KOSTERS
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Diogo Lacerda Machado, que negociou a reversão parcial da privatização da TAP em 2016 a pedido do Governo PS, afirmou nesta terça-feira ter sabido logo em Fevereiro desse ano que parte da recapitalização da empresa tinha por base fundos da Airbus.

Em declarações aos deputados da comissão parlamentar de Economia, o gestor e advogado afirmou que falou com o então presidente da TAP, Fernando Pinto, e que este defendeu a operação como positiva e necessária devido à falta de fundos.

Para Lacerda Machado, essa operação, da ordem dos 227 milhões de dólares, resolveu “o problema de agonia financeira em que a TAP se encontrava”. “O principal beneficiário daquele dinheiro que apareceu na TAP foi o Estado, que viu a TAP passar de 10 milhões para 1000 milhões de valor”, considerou este responsável, chamado ao Parlamento após requerimento do PSD.

Os valores reportados por Lacerda Machado dizem respeito aos 10 milhões de euros pagos por David Neelemam e Humberto Pedrosa na privatização de 2015, e aos 1000 milhões em que a TAP terá sido avaliada quando a Lufthansa esteve perto de comprar os 22,5% detidos por Neeleman na companhia, no início de 2020.

Sobre o preço dos 53 aviões comprados à Airbus pela TAP já privatizada, que está actualmente em investigação na justiça por suspeitas acerca de eventuais impactos negativos para a empresa, Lacerda Machado vincou que nunca nenhuma empresa compra pelo “preço de catálogo”, indicando assim que terá havido descontos, tal como já referiram personalidades como o ex-ministro da Economia António Pires de Lima.

E se o Estado ficou a beneficiar desses fundos, que entraram na TAP com um prazo de 30 anos, tal só aconteceu, disse, porque houve a reversão parcial da privatização, ficando então os privados com 45% em vez dos 61% que detinham. O Estado ficou 50% e os trabalhadores com 5%.

Com críticas à privatização feita em 2015 pelo executivo de Pedro Passos Coelho, destacou que era preciso abrir o capital, “mas não assim”, podendo o Estado sair totalmente da empresa.

Diogo Lacerda Machado, que foi administrador não executivo da TAP entre 2017 e 2021, afirmou que David Neeleman e Humberto Pedrosa são “empresários notáveis”. Elogiando o resultado das negociações que conduziu em 2016, o gestor (conhecido por ser o melhor amigo de António Costa) disse que o reforço do Estado foi feito de forma a viabilizar a capitalização da empresa “sem perder controlo estratégico, como sucedeu com a privatização inicial”. Sobre os 55 milhões pagos a Neeleman quando este saiu, afirmou que o dinheiro não teve origem na TAP, mas sim na Parpública ou na DGTF.

Em 2005, Lacerda Machado esteve também ligado à compra da Varig Engenharia e Manutenção (VEM) pela TAP, por parte da Geocapital, parceira financeira do negócio e para a qual trabalha. A Geocapital, criada por Jorge Ferro Ribeiro em parceria com Stanley Ho (já falecido) saiu logo no início do negócio, que gerou avultados prejuízos registados pela companhia aérea portuguesa nas suas contas.

Questionado sobre esse negócio, defendeu que foi de longe o melhor investimento que a TAP fez em 50 anos”. “Foi o investimento no Brasil que viabilizou a continuidade e sustentabilidade da TAP”, vincou, e que “permitiu constituir o hub de Lisboa, outro activo valioso da TAP”.​ Por outro, disse, “grande perda das perdas acumuladas com o negócio resultaram de um legado relacionado com contingências laborais e fiscais.

As ligações de Lacerda Machado à TAP

Diogo Lacerda Machado foi o responsável pela reversão parcial da privatização da TAP, após o PS ter formado Governo no final de Novembro de 2015. Na sequência dessas negociações, o consórcio privado Atlantic Gateway, de David Neeleman e de Humberto Pedrosa, desceu a posição de 61% para 45%, mas assegurou questões como a subida dos seus direitos económicos. Conforme relatou o Tribunal de Contas na sequência da auditoria à TAP, divulgada em 2018, “o Estado recuperou controlo estratégico, mas perdeu direitos económicos, além de assumir maiores responsabilidades na capitalização e no financiamento da empresa”. Sobre estas responsabilidades, Lacerda Machado considerou que estavam quase todas saneadas em 2020, altura em a dívida à banca que implicava o Estado estava praticamente paga (o novo endividamento foi feito por via de obrigações).

Consultor do Governo de António Costa, Lacerda Machado chegou depois a administrador não executivo da TAP, quando se formou o conselho de administração presidido por Miguel Frasquilho em 2017. Os dois fizeram parte da lista de nomes indicadores pelo Governo, cabendo aos privados a gestão executiva da companhia. Lacerda Machado acabou por sair da TAP em Abril de 2021, no final do mandato, já com o Estado a dominar a maioria do capital da companhia na sequência da intervenção que ocorreu após o eclodir da pandemia de covid-19, quando Pedro Nuno Santos era o ministro das Infra-Estruturas.

Duas audições na mesma semana

O caso de Diogo Lacerda Machado evidencia a duplicação de audições ligadas à TAP, já que, depois de ser ouvido pela comissão de Economia, na próxima quinta-feira à tarde será de novo ouvido pela comissão parlamentar de inquérito (CPI) à TAP.

A audição de Lacerda Machado nesta terça-feira surgiu na sequência de um requerimento do PSD, que pediu também a presença do ex-ministro socialista das Infra-Estruturas, Pedro Marques, a do seu sucessor, Pedro Nuno Santos, e a do ex-secretário de Estado Adjunto e das Finanças Ricardo Mourinho Félix.

Antes, e por iniciativa do PS, já foram ouvidos na comissão de Economia o ex-secretário de Estado das Infra-Estruturas do executivo PSD/CDS liderado por Passos Coelho, Sérgio Monteiro; o ex-ministro da Economia António Pires de Lima; a ex-secretária de Estado do Tesouro Isabel Castelo Branco e o ex-secretário de Estado das Infra-Estruturas Miguel Pinto Luz.

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