“É em parte graças à Rita Lee que hoje parece mais simples sermos mulheres na música”

Reacções à morte da emblemática cantora e compositora brasileira. Uma artista feminina olhar para um “exemplo” como Rita Lee é “munir-se de força e coragem”.

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Rita Lee: “Morre a mais livre das artistas", diz ao PÚBLICO o escritor Valter Hugo Mãe dr
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Um furacão que “agitou águas e mentalidades”, um ícone da “liberdade” que “pôs em causa certezas”. É assim que a cantora portuguesa Rita Redshoes descreve Rita Lee, emblemática cantora e compositora brasileira que morreu na noite desta segunda-feira, aos 75 anos. “Quando penso nas mulheres na música que me marcaram e que acho que ficarão para sempre na história, quer pelo seu trabalho quer pela sua personalidade, penso em pessoas como a Rita Lee”, diz ao PÚBLICO.

“A Rita Lee surgiu numa altura em que, no Brasil e não só, ser mulher era difícil. Ser uma mulher na música, principalmente se se fugisse a um certo estereótipo daquilo que eram as mulheres na música, idem aspas”, reflecte, por sua vez, Ana Bacalhau. “Uma mulher que canta, toca guitarra, compõe as suas próprias canções, pinta o cabelo… Naquela época, era preciso ter muita coragem. E ela teve-a. Foi ela própria. É em parte graças a ela que hoje parece um bocadinho mais simples sermos quem somos, assumirmos as nossas diferenças, sermos mulheres na música”, afirma a cantora.

Luca Argel, músico e poeta brasileiro radicado em Portugal há uma década, diz que Rita Lee, “além de ser artisticamente genial, tinha muito para dizer”. “Nunca se preocupou com suavizar as suas mensagens, o que só engrandece a sua importância como voz de uma geração e de algumas causas.” João Branco Kyron, dos Beautify Junkyards, banda portuguesa com muitas influências brasileiras na sua sonoridade, argumenta por seu turno que Rita Lee conseguiu algo “difícil de conciliar”: ser uma voz “criticamente activa” e, ao mesmo tempo, ter “uma linguagem pop acessível a muitas pessoas”.

“Tinha um discurso e uma atitude que colocavam a mulher em primeiro plano, algo que não era de todo o padrão. Sempre desafiou os ditos bons costumes, e sabia lidar com isso muito bem”, acrescenta, falando de alguém que desbravou caminho. “O traço da Rita Lee em termos de discurso libertário está extremamente presente nesta nova geração de cantautoras brasileiras.​”​

Na rede social Twitter, Lula da Silva lamentou a morte de “um dos maiores e mais geniais nomes da música brasileira”. “Uma artista à frente do seu tempo. Julgava inapropriado o título de rainha do rock, mas o apelido faz jus à sua trajectória”, escreveu o Presidente do Brasil, homenageando uma mulher que “enfrentou o machismo na vida e na música”.

Mel Lisboa, actriz brasileira da série Coisa Mais Linda (Netflix) que fez de Rita Lee no teatro, também usou as redes sociais para se despedir da artista. “Me sinto privilegiada por ter existido na mesma época que você. Por ter tido a ousadia de subir no palco fingindo ser você. Você fez e sempre fará um monte de gente feliz.”

A Contraponto, editora que em 2017 publicou em Portugal a primeira autobiografia de Rita Lee (Uma Autobiografia), e vai este mês lançar a segunda (Outra Autobiografia), usou os adjectivos “excêntrica, aventureira, criativa e ousada” para a descrever. “Levou ao palco a sua essência e talento, não deixando que ninguém cantasse — ou contasse — a sua história por si.”

“Morre a mais livre das artistas. Uma que soube ser sempre brava naquilo em que acreditava, recusando o conservadorismo castrador. Rita Lee era a guerreira do desejo e da alegria”, escreve o autor português Valter Hugo Mãe, num curto SMS enviado ao PÚBLICO.

Lembrando que foi presa na altura da ditadura militar no Brasil, Ana Bacalhau diz que Rita Lee “sofreu as consequências” da sua atitude contestatária. “Também por isso é uma figura inspiradora. Tendo vivido as consequências, nunca desistiu de lutar pela liberdade”, diz. “Espero que continue a inspirar as novas gerações. A liberdade é um bem que temos de estar sempre a conquistar, dia após dia.”

“Há um mundo na música antes e depois da Rita Lee”, comenta Rita Redshoes, elogiando o facto de ter trazido para as suas canções temas como a liberdade sexual de forma tão natural. “Tudo isso representou, na altura, um virar de página.” Para a cantora portuguesa, uma artista feminina olhar para um “exemplo” como Rita Lee é “munir-se de força e coragem”. “Ainda há muitas batalhas por travar neste universo, infelizmente ainda algo machista. A Rita Lee já não está cá, mas vai ser uma espécie de anjinho da guarda.”

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