Cerca de 15 minutos depois de começar a Queima das Fitas do Porto, as filas à porta do Queimódromo já tinham mais de 500 metros. A certa altura, fundiam-se numa multidão de gente onde muitos não sabiam sequer para onde ir. “É esta a fila para quem quer trocar o bilhete pela pulseira?”, ouvia-se alguém perguntar no meio da multidão. As respostas levavam, quase sempre, um hesitante “Acho que sim” ou um “Foi o que me disseram, mas não sei”.
Este ano, a Federação Académica do Porto (FAP) tomou a iniciativa de deixar o dinheiro físico fora do recinto. Para entrar no Queimódromo, era preciso comprar um bilhete e trocá-lo por uma pulseira que seria carregada com saldo através de cartão de crédito ou débito, MBWay ou dinheiro. Serviria ainda para entrar no Queimódromo e fazer todas as compras no interior.
O novo sistema, que pretendia levar “conforto e segurança” à Queima — como Ana Gabriela Cabilhas, presidente da FAP, anunciou ao Jornal de Notícias —, levou, na madrugada de sábado para domingo, a um cenário tudo menos "confortável" e "seguro".
Para entrar no Queimódromo, uma pessoa tinha de ter a pulseira cashless. No entanto, entre quem esperava para entrar havia quem já tivesse pulseira, quem tivesse um bilhete para trocar e quem não tivesse nada. A falta de sinalética e de organização de filas levou a tempos de espera superiores, em alguns casos, a três horas.
Para tentar ver os Ornatos Violeta, Diogo Rocha, estudante de Engenharia Electrotécnica e de Computadores no Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP), decidiu ir ao primeiro dia de Queima. Mesmo tendo obtido a pulseira com antecedência, esperou mais de uma hora para entrar. Por sorte, como o concerto se atrasou meia hora, ainda conseguiu assistir.
No entanto, houve quem tivesse menos sorte. À medida que a madrugada avançava, várias pessoas iam abandonando as filas em braços por terem ataques de pânico, enquanto outras furavam filas e saltavam grades — chegando, em alguns casos, a agredir quem aguardava na fila. As desistências foram-se multiplicando, por vezes antes sequer de as pessoas encontrarem a fila correcta. Catarina Moreira, engenheira agrónoma de 27 anos, chegou a fazer o percurso inteiro de uma fila até, no final, ser informada de que estava na fila errada. E teve de voltar para trás.
No meio de tudo, quem ligasse para a linha SOS da FAP era recebido por um “O número para o qual tentou ligar não tem voicemail activo”.
Pouco antes das três da manhã, enquanto se ouviam, ao longe, as últimas canções dos Ornatos Violeta, já havia bancas de troca de bilhetes a encerrar. Uma hora antes do que a FAP prometera no site. Isto levou a que vários grupos de pessoas se começassem a mobilizar para as filas restantes, motivando outros a desistirem de entrar por medo de serem esmagados pela multidão.
Quando os últimos estores das bancas se fecharam, Catarina Moreira ainda resistia na fila, à espera para trocar o bilhete, três horas depois de ter chegado. “Começaram a fechar as janelas e não disseram nada, saíram só”, explica a engenheira.
Só depois de as bancas estarem fechadas, a organização anunciou que quem não tinha conseguido trocar o bilhete — alegadamente, porque as pulseiras tinham esgotado — podia entrar sem pulseira.
Ao segundo dia, tudo voltou ao normal
Na noite seguinte, mesmo temendo um episódio semelhante ao da noite anterior, Diogo Rocha voltou ao Queimódromo. Ao chegar — mais cedo do que costuma ir, para evitar constrangimentos — encontrou um cenário “totalmente diferente”. “Tudo [estava] muito mais organizado. Havia um bocado de fila cá fora, mas em 10, 15 minutos, entrei. Fluiu tudo bem.”
Ao ver que “tinha tempo” para entrar, Diogo e os amigos ainda ficaram no exterior do recinto a fazer algum tempo. No mesmo grupo estava Diana Brito, estudante do mestrado em Psicologia da Educação na Universidade Lusíada. Conta que foi para o Queimódromo com algum receio de passar horas na fila, mas acabou por entrar em cerca de cinco minutos. “Chegámos lá e estava tudo muito tranquilo. Ficamos extremamente admirados, toda a gente entrava muito rápido”, explica.
A razão? Por volta das 21h de domingo, a FAP anunciou um sistema híbrido de pagamentos. Além do pagamento por pulseira, passou a ser possível fazer pagamento em dinheiro. Assim, aqueles que tinham apenas bilhete, deixaram de ter obrigação de obter pulseira. No exterior, também a organização foi redobrada. Nas zonas onde se fazem as revistas pelos seguranças, foram colocadas grades a separar cada fila para evitar que estivesse "tudo ao molho", como Diogo diz que aconteceu na noite anterior.
Ainda assim, no interior do recinto, Diana Brito só usou dinheiro físico para “despachar trocos”. Todas as outras transacções foram feitas com pulseira. Não relata qualquer problema e sublinha que até havia pessoas da organização nas bancas de carregamento de pulseira a ajudar no processo.
Nas barraquinhas de bebidas, perguntaram-lhe sempre se preferia usar dinheiro ou a pulseira para pagar. A Diogo chegaram a pedir “por favor” para que pagasse com pulseira por ser “muito mais fácil”.
A servir na barraquinha Too Shots to Handle, José Boucinha, estudante da Faculdade de Desporto, justifica: “Facilita bastante. Não corremos riscos de sermos roubados por andarmos com muito dinheiro e não temos de andar com trocos ou [ter cuidado] com as notas falsas. O sistema cashless é muito melhor.”
Ao PÚBLICO, a Federação Académica do Porto mostrou-se optimista com os restantes dias de Queima. Com uma segunda noite muito mais bem-sucedida do que a primeira, considera ter encontrado uma “fórmula” para o bom funcionamento do evento. No entanto, não mostrou disponibilidade para responder às questões do PÚBLICO sobre os problemas da primeira noite, referindo que todos os esclarecimentos seriam feitos em comunicado.
A FAP ainda não deu informações sobre como poderá reembolsar quem tinha bilhete para domingo e não conseguiu entrar.
Entre aqueles que visitaram o Queimódromo este fim-de-semana, as opiniões dividem-se. “Foi a pior experiência que tive a sair à noite”, confessa Catarina, antes de afirmar que ficou com “pouca vontade de voltar à Queima” em anos futuros. Diogo Rocha, por outro lado, partilha do optimismo da FAP. Completa 22 anos no sábado e, apesar dos contratempos do primeiro dia, tem a certeza de onde vai celebrar o aniversário: na Queima.