A cultura do skate é uma “subcultura dentro de uma sociedade misógina” e, por isso mesmo, até um passado recente, não era um “espaço seguro” para toda a gente. Quem o diz é Leti Nogueira, uma das entrevistadas do primeiro número da Betesga, a revista de skate criada por mulheres, para dizer que elas também fazem parte da comunidade.
Joana Melo, uma das criadoras, conta o caminho que levou ao nascimento da Betesga: primeiro o surf, depois a longboard (quando o mar não permitia surfar) e, pouco antes da pandemia, o skate. “Inicialmente ia a um skatepark e achava que iam ficar a olhar para mim por ser rapariga, não me sentia muito à vontade. Hoje temos um grupo com várias raparigas e é raro irmos sozinhas. A comunidade de Lisboa já nos conhece e já não há muito essa coisa de nos olharem de lado”, conta a designer de 22 anos.
Foi o Erasmus em Barcelona, em 2021, que levou à criação da zine, disponível desde o início de Março. Joana e Catarina Batista, outra das fundadoras, conheceram um grupo de skaters chilenos que haviam criado uma revista. Ao mesmo tempo, eram convidadas pela equipa de uma revista de Barcelona para se juntarem quando iam fotografar. “Começou a fazer sentido juntar a curiosidade do skate, o facto de andar e gostar, com a fotografia, que também gostava, e o vídeo, em que elas [as restantes companheiras de equipa] são melhores do que eu.”
A influência dessa viagem é visível na zine: logo na primeira página, há uma homenagem a Catarina, que partiu a perna a skatar em Barcelona. Mais à frente, há textos e entrevistas que falam sobre a capital do skate, quase como um diário, acompanhado de registos fotográficos e apontamentos gráficos que a fazem transpirar a cultura de rua.
Mas a mensagem principal é logo anunciada no editorial. “Desde o dia em que começamos a pensar nisto, o nosso objectivo foi criar um espaço seguro para partilhar e desenvolver a comunidade feminina e não tradicional do skate em Portugal”, escrevem. Referem-se também à comunidade LGBT+, que tenta afirmar-se num mundo onde o protótipo é ainda o homem cisgénero heterossexual.
“No início não nos sentíamos bem-vindas no skatepark. Pedíamos a um rapaz para nos ensinar uma manobra e ele olhava de lado, como que a dizer que nunca íamos conseguir fazer aquilo”, começa. “Nos campeonatos, há sempre um valor monetário mais elevado para os rapazes e também é mais fácil para um rapaz conseguir patrocínios, ainda que agora esteja a mudar um bocadinho.”
Joana acredita, no entanto, que estas desigualdades acontecem “porque as pessoas não sabem o suficiente”. Menciona uma das páginas que considera das “mais importantes da revista”, onde uma das entrevistadas relembra que “os rapazes não são inimigos” — na verdade, a maioria começou a andar de skate com eles. “Mas a verdade é que ainda existem diferenças e nós temos de as dar a conhecer e explicar. Daí a revista.”
Escrita em inglês, pensada para uma comunidade que abrange muitos imigrantes e que se quer internacionalizar, a Betesga conta, mostra a ficha técnica, com a contribuição de oito pessoas — “um bocadinho caóticas, todas fazem de tudo” —, mas, no futuro querem receber contribuições externas.
Ainda não há data definida para o segundo número, mas as criadoras planeiam lançá-lo em Setembro. A Bestesga custa 5 euros e pode ser comprada em algumas lojas ou através do Instagram, que é uma espécie de terreno transitório entre o que se passa no skatepark e o que vai para a revista.