Volvido quase meio século da madrugada que restituiu ao povo a sua soberania, a democracia vive dificuldades em aproximar os mais jovens da política. Da saga “soluções fáceis para problemas complexos”, a Iniciativa Liberal (IL) parece ter encontrado a receita ideal para resolver esse problema: encontrar um youtuber o mais misógino possível, convidá-lo para uma visita à Assembleia da República e presentear os espectadores com uma miscelânea de grosseirismo, falta de educação e desrespeito pelas instituições democráticas.
Longe vai o tempo em que o entretenimento dos ecrãs dependia dos horários e oferta dos canais televisivos. As plataformas digitais vieram trazer a vantagem de resolver esses inconvenientes e actualmente o acesso aos mais diferentes conteúdos, para além de mais versátil, é também mais diversificado.
Na política a utilização dessas plataformas pode e deve ser feita como meio de chegar aos cidadãos, aproximá-la das pessoas, informá-las do seu funcionamento e promover o debate público. São, por isso, excelentes promotoras da liberdade de expressão, de opinião e de acesso a informação. Essa utilidade acaba, ainda assim, por ser contestada quando é utilizada por aqueles que através dos seus meios pretendem degradar a imagem e funcionamento das diferentes instituições democráticas.
As visitas à Assembleia da República permitem aos cidadãos, acompanhados por um deputado da República, conhecer o edifício e a sua história e ficarem a conhecer por dentro – e também por isso melhor – a instituição que aí funciona e que representa a pluralidade de vontades do povo expressa nas urnas.
Convidar youtubers para o fazerem não deixa de ser uma boa ideia. Os vídeos de alguns destes atingem milhares de visualizações e chegam às gerações mais jovens, podendo sensibilizá-las para os temas que afectam a vida política do país. Não deixa, no entanto, de ser curiosa a minuciosa selecção que a IL protagonizou para esta tarefa.
Num vídeo publicado no seu canal de YouTube esta semana, Tiago Paiva mostrou tudo aquilo que esta nova direita é — a falta de argumento, a desinformação traiçoeira e os remédios fáceis para problemas complexos. Mas mais do que isso, representa a aparente tendência crescente de alguns internautas em fazerem, atrás da comodidade dos ecrãs, a crítica pela crítica recorrendo à ofensa desmedida e sem filtros, à ausência de conhecimento de causa e de argumentos fundamentados.
O youtuber — tal Robin dos Bosques — ofende descaradamente o primeiro-ministro em pleno plenário e nos dias seguintes regozija-se a pelo seu feito, estendendo a crítica grotesca a todo o Governo e aos diferentes grupos parlamentares que vieram questionar a atitude complacente da IL.
Chega inclusivamente a aplaudir o outro líder dos extremistas quando este veio em sua defesa. Em boa verdade até aí se abriu uma janela de oportunidade para o partido da interjeição, que encontrou a fórmula mágica para chegar aos mais jovens alargar o seu público-alvo.
A verdade é que as responsabilidades que cabem a um youtuber que vive na bolha do seu protagonismo nas redes sociais não são as mesmas que as de um grupo parlamentar democraticamente eleito e com o dever de lutar pela boa imagem das instituições das quais são membros e que representam. Esperava-se muito mais da IL – para aqueles que porventura ainda se pudessem impressionar – e dos seus dirigentes.
De Cotrim de Figueiredo e de Rui Rocha, os tios “cool” que querem dar menos impostos e que não têm preconceitos quanto ao vocabulário que usam casa da democracia, esperava-se pelo menos que não compactuassem com a infantilidade incalculada em que o antigo assessor do primeiro (agora deputado Bernardo Blanco) fez cair o grupo parlamentar do partido.
Como toda uma nova vaga de movimentos populistas a ganharem protagonismo na arena política um pouco por toda a Europa, e com partidos da chamada direita democrática a abrirem-lhes portas à governação, importa manter aguçado o sentido crítico e manter presente que a liberdade não pode nem deve ser instrumento para deitar abaixo aquilo que tanto custou a conquistar ao longo de cinco décadas de democracia.
Ainda mais, devemos evitar a todo o custo que o discurso vazio, nas suas mais formas, deixe denegrir de alguma forma as instituições que a fazem funcionar.