Os meus amigos não votam como eu. Como discutir política sem nos chatearmos?
Fazer perguntas e encontrar pontos comuns é melhor do que gritar e abandonar a conversa. Mesmo com aquele tio no convívio de família.
Preferir não discutir política — ou acabar a discuti-la demasiado fervorosamente. Ficar no meio pode ser difícil. Principalmente quando quem nos rodeia defende o que, para nós, é indefensável. Mas o assunto acaba sempre por surgir, seja num café com amigos, seja nos tão temidos convívios de família.
Raquel Raimundo, psicóloga e presidente da Delegação Regional do Sul da Ordem dos Psicólogos Portugueses, aconselha estratégias para melhor conversar. Uma pista: não adianta berrar por causa do que nos separa, é melhor procurar o que nos junta. Se a outra pessoa apresenta cinco argumentos e só concordamos com um, é a ele que nos devemos agarrar em primeiro lugar.
É possível manter a amizade com alguém cujos princípios são totalmente diferentes dos meus?
“É um mistério isso que nos leva à amizade.” Se, por vezes, temos amigos muito semelhantes — e “é isso que nos aproxima”; outras vezes somos amigos de alguém que tem crenças completamente distintas das nossas.
Mas, mais importante do que “o outro fazer o mesmo que nós”, é o “sentirmo-nos compreendidos” que nos aproxima. “Nas discussões, o que muitas vezes acontece é que não ouvimos o outro, porque temos uma grande necessidade de nos fazermos ouvir”, começa a psicóloga. É crucial desenvolver esta “disponibilidade para escutar” e para “aceitar e acolher a diferença”, mantendo os “canais de comunicação abertos”.
É também relevante termos em conta que temos mais predisposição para “acreditarmos em informações que correspondem às crenças que já temos”, e, também por isso, é mais fácil conversarmos com alguém que acredita no mesmo que nós. Isso não é, necessariamente, o que mais nos enriquece: “É importante conhecer diferentes formas de olhar para o mundo. E, mais do que focar nas miudezas que nos separam, olhar para o muito que nos une. É isso que significa viver em sociedade, acolher a diversidade sem impor a nossa visão.”
E quando o outro pisa o que, para mim, são linhas vermelhas? Devo desistir da conversa?
Desistir da conversa pode “não ser a melhor solução”. “Só não devemos tolerar a intolerância ou quando há desrespeito pela dignidade do ser humano”, defende Raquel Raimundo.
Devemos permanecer no “domínio do confronto das ideias e dos pontos de vista”. Tentar “chegar ao outro”, fazer perguntas, perceber “as motivações” que a levam a pensar de determinada forma. E até pode ser assim que “se desconstroem alguns preconceitos e enviesamentos” dos quais a outra pessoa não se apercebe.
Convívios de família: será melhor combinar não falar sobre política?
“Há momentos que, pela importância e significado que têm no contexto familiar, podem ser importantes preservar”, refere a psicóloga. É, então, natural que “as pessoas sejam mais cuidadosas nessas alturas também”, ou seja, se sabemos que um comentário pode gerar um conflito, podemos “protelar essa conversa para um momento mais oportuno” — e focar-nos “naquilo que nos une”. Pelo menos durante aquele momento.
Mas às vezes não há como evitar a divergência. É, por isso, importante saber conversar.
Que estratégias posso adoptar para melhor conversar (sem me chatear)?
A primeira é mesmo essa, “não me exaltar”. Depois, importa a nossa própria postura numa discussão: querermos “colonizar o outro” ou olhar para um debate como uma luta onde há um vencedor e um perdedor é meio caminho andado para perdermos a cabeça.
É mais útil procurar “aprender e perceber como é que a outra pessoa vê o mundo” — e assim “saem todos a ganhar”.
Fazer perguntas (sem insinuações implícitas) ameniza o tom do debate. “Levam à abertura do outro e dão-lhe a possibilidade de partilhar a sua opinião.” E talvez façam com que também ele nos faça perguntas a nós, permitindo-nos entrar no “confronto dos pontos de vista”, em vez do ataque.
Por último, se a outra pessoa expôs cinco argumentos e eu concordo com um deles, posso “ir ao encontro daquele em que estamos de acordo e partir daí”. “Isso leva à diminuição da resistência do outro lado, porque foi estabelecida uma ponte”, explica a psicóloga. A partir daí, mesmo que o caminho continue a ser de discordância, não foi “totalmente discordante” – ainda que cheguemos à conclusão de que, “afinal, temos mais coisas diferentes do que achávamos no início da conversa”.