O Ford Mustang de Steve McQueen em Bullit. O Checker amarelo de Robert De Niro em Taxi Driver. O Gran Torino verde de Clint Eastwood e o vermelho de Starsky & Hutch. O Dodge Charger laranja de The Dukes of Hazzard e o Pontiac Trans Am transformado no KITT de David Hasselhoff em Knight Rider. A América imaginada de quem a viu pela televisão também se faz dos seus carros clássicos, das banheiras largas, de grelhas frontais metalizadas e jantes reluzentes. Ou dos monster trucks colossais, de rodas altas. Ou das barulhentas Harley. Ou das autocaravanas com áreas mais generosas que um apartamento lisboeta, que nos fazem sonhar com uma road trip coast to coast.
Mas a realidade é diferente. Os Mustang e as Harley são visões raras de passeios domingueiros. Mesmo na cinematográfica Nova Iorque, os táxis continuam a ser amarelos, sim, mas as banheiras da Chevrolet e da Ford deram lugar aos SUV e às carrinhas da Toyota e da Nissan – híbridos, digitais, confortáveis, incaracterísticos. As polícias também dispensaram os seus sedans – aqueles que víamos nas perseguições dos filmes de acção, ou nas reais, filmadas de helicóptero – e trocaram-nos por SUV.
O omnipresente SUV, essa carrinha armada em jipe, ou esse todo-o-terreno para quem não gosta de sujar as jantes, é a primeira coisa que se repara nas ruas e estradas da América, mesmo em zonas urbanas. A segunda é o domínio, já de várias décadas, das marcas japonesas e sul-coreanas como a Toyota, Honda, Hyundai, Kia, Subaru ou Nissan – todas com extensas linhas de modelos SUV. Steve McQueen guiaria hoje um Corolla ou um Civic.
É a América rural e semi-rural que vai valendo às americanas Ford, Chevrolet e Ram e às suas pick-ups, gigantescas (e caríssimas) carrinhas de caixa aberta. A Toyota pode ser a marca automóvel mais vendida no país, mas a brutamontes Ford F-150 é o modelo mais popular. As pick-ups nasceram como veículos de trabalho, mas são hoje também um símbolo cultural e político a que corresponde um estereótipo, o de um proprietário branco e conservador, rural e auto-suficiente, divorciado da América costeira, urbana e liberal. Não é por acaso que são tremendamente populares no Sul e no Midwest republicano.
Não é por nenhum statement político que tenho nas mãos uma carrinha Subaru Outback de duas décadas, com dentadas de corrosão na carroçaria verde, uma eterna luz vermelha de aviso acesa no tablier e um treme-treme infernal em subidas e descidas. É o que me calhou, por empréstimo de amigos generosos, e que não se recusa num país em que o preço médio de um carro usado está acima dos 20 mil dólares, devido ao atraso na entrega de carros novos que se arrasta desde o início da pandemia.
Destes pouco se vê na Europa. Longe vão os tempos do Subaru Impreza azul de Colin McRae, o escocês voador dos ralis. A marca japonesa chegou a vender menos de mil carros no Velho Continente em 2020 e saiu de Portugal há vários anos. Mas aqui, no Vermont, o meu Outback é só um entre muitos. O Subaru é o carro não oficial deste pequeno e montanhoso estado do Nordeste, na fronteira com o Canadá. É também popular noutros estados com montanhas e Invernos rigorosos, como o Alasca e o Colorado.
A geografia explica parte do fenómeno: os Subaru têm tracção às quatro rodas e uma resistência lendária a baixas temperaturas. O marketing explica outra parte: a importadora apostou deliberadamente em zonas rurais e periféricas dos EUA nos anos 70 para escapar à má imprensa que recebeu inicialmente, e que, na era pré-Internet, tinha ficado circunscrita às grandes zonas urbanas. A política explica ainda outra: o Vermont é suficientemente rural para as pick-ups, mas demasiado progressista para adoptar em massa o carro não-oficial do trumpismo. A Subaru sabe ao que vai e tem apoiado financeiramente causas sociais caras ao eleitorado democrata. A Subaru é woke, como se diz hoje em dia, sem se saber muito bem o que se está a dizer.
Mas eu não voto, só preciso mesmo de ir ao supermercado.
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