Restos mortais de Primo de Rivera deixam o Vale dos Caídos
O antigo ditador espanhol, fuzilado pelos Republicanos em 1936, deixa lugar de relevo na basílica de Cuelgamuros e é transladado ao cemitério de San Isidro, em Madrid.
Os restos mortais de José Antonio Primo de Rivera deixaram esta segunda-feira o Vale dos Caídos, agora chamado de Vale de Cuelguamros, cerca das 12h50 (11h50 em Portugal continental), onde estavam desde 1959, rumo ao cemitério de San Isidro, em Madrid, depois de um acordo entre os familiares e o Governo.
Um pequeno grupo de falangistas esperava à saída do Vale, recebendo com gritos de “Viva Espanha!” “E José Antonio, presente!” os carros funerários quando estes abandonaram o recinto em direcção a Madrid.
Os trabalhos de exumação foram feitos a partir das primeiras horas desta segunda-feira, com a presença de familiares e membros do Património Nacional e sem qualquer representante do Governo espanhol. Pelo menos dois carros funerários acederam ao recinto minutos antes das oito da manhã (menos uma em Portugal continental) para transladar os restos mortais do militar e ditador espanhol, fundador do partido nacionalista Falange Espanhola.
O trânsito de veículos foi contínuo desde as primeiras horas do dia na porta de acesso ao recinto, custodiado por agentes da Guarda Civil e onde estavam mais de uma trintena de jornalistas. Dois manifestantes aproximaram-se da entrada, mas os agentes pediram-lhes que se retirassem, o que aconteceu sem nenhum incidente.
Os restos de Primo de Rivera vão agora ficar no cemitério de San Isidro, onde estão enterrados vários familiares do político, como o seu irmão Miguel Primo de Rivera y Saénz de Heredia, que foi ministro do general Franco; a irmã, Pilar Primo de Rivera, fundadora da Secção Feminina da Falange; ou o seu tio, Fernando Primo de Rivera y Orbaneja, irmão do ditador que morreu em Marrocos durante da guerra do Rif.
O pai de José Antonio, o general Miguel Primo de Rivera, que liderou o golpe de Estado espanhol de 1923 e a ditadura subsequente, criador da União Patriótica que inspirou a União Nacional em Portugal, o partido do Estado Novo, mas acabou por morrer amargurado no exílio em 1930, também esteve enterrado em San Isidro até 1947, quando os seus restos foram enviados para Jerez de la Frontera, a sua cidade natal.
Cumprir a lei da memória
A exumação dos restos mortais do fundador da Falange realizou-se esta segunda-feira em cumprimento da Lei da Memória, que proíbe que dirigentes do golpe de Estado de 1936, da Guerra Civil e do franquismo permaneçam enterrados “num lugar proeminente de acesso público, que possa favorecer a realização de actos públicos de exaltação”, como indica o texto aprovado no passado mês de Outubro.
Até segunda, o seu túmulo encontrava-se em frente ao principal altar da basílica do Vale, junto ao sítio onde estava o ditador Francisco Franco, cujos restos foram exumados em Outubro de 2019 e transladados ao cemitério Mingorrubio, no bairro de El Pardo, em Madrid.
Segundo a Lei da Memória, Primo de Rivera podia continuar enterrado no Vale dos Caídos, como vítima da guerra – foi fuzilado pelo lado republicano em Novembro de 1936, em Alicante –, mas não em lugar de destaque. Em todo o caso, a família enviou a petição para retirar os restos mortais para cumprir o desejo que o político deixou por escrito em testamento, de que fosse enterrado num lugar católico.
Com a entrada em vigor da norma, em Outubro, o Vale dos Caídos passou a chamar-se Cuelgamuros e se converteu num cemitério civil.
Cartazes de homenagem
Esta segunda-feira, cumprem-se os 120 anos do nascimento de Primo de Rivera, a 24 de Abril de 1903, e grupos falangistas criticaram o Governo por fazer coincidir a data com a transladação dos restos. Membros do movimento de extrema-direita juntaram-se no cemitério de San Isidro, no distrito madrileno de Carabanchel, para homenagear o fundador e protagonizaram momentos de tensão, ao tentarem forçar o cordão policial, sempre com o braço esticado na saudação fascista e cantando palavras de ordem. Três pessoas acabaram detidas.
Na manhã desta segunda, apareceram várias faixas em pontes de Madrid em recordação do aniversário e protestando pela “profanação” do seu túmulo, afirmou o movimento de extrema-direita.
Este será o quinto enterro do fundador da Falange fuzilado na prisão de Alicante em 1936 e enterrado numa vala comum. Dois anos depois, os seus restos mortais foram colocados num nicho no mesmo sítio. Acabada a Guerra Civil, em 1939, foi novamente exumado e levado de Alicante para o Escorial.
Nessa altura, o caixão foi levado a pé falangistas durante dez dias, passou por Aranjuez, a Gran Via de Madrid e entrou no mosteiro de El Escorial a 30 de Novembro de 1939. Ali foi recebido por Franco e enterrado junto ao altar-mor da basílica.
Em Novembro de 1959, voltou a mudar de lugar antes, na véspera de inauguração do Vale dos Caídos, tendo ficado enterrado num lugar de honra na basílica de Cuelgamuros.