"Ainda hoje, e é difícil acreditar nisto, há pessoas que prefeririam que não se falasse do Santo Ofício e do efeito devastador que teve em Portugal durante quase três séculos."
É Richard Zimler, há mais de 30 anos em Portugal, autor de cerca de uma dezena de romances, quem o diz na longa entrevista que destacamos nesta edição. O escritor conta um episódio, passado numa igreja, que diz demonstrar este incómodo.
Usa a narrativa histórica para resgatar vozes oprimidas esquecidas pela História. A intolerância religiosa e as históricas perseguições de judeus voltam a ser tema em A Aldeia das Almas Desaparecidas, romance histórico em dois volumes. Passa-se no século XVII, mas os seus avisos ressoam no presente.
"Quero falar do retrocesso civilizacional através do Santo Ofício e daquilo que fez numa pequena aldeia [Castelo Rodrigo]. No país em que nasci, metade das pessoas votam Trump e pensam que pessoas como eu não deveriam ter os mesmos direitos que elas. Perturba-me que eu não entenda agora o meu próprio país. Pensei que no futuro houvesse uma progressão, mas enganei-me", diz Zimler a José Riço Direitinho numa entrevista em que fala também da relação com a morte e do Porto "muito provinciano" que encontrou quando chegou a Portugal.
Nesta edição, Sofia Neves olha para o fenómeno dos booktokers, uma nova geração de divulgadores literários que está a dar fôlego à venda de livros em Portugal. Fazem-no através do TikTok.
Em Nação Valente, Carlos Conceição volta a mostrar que "gosta de (não) fazer género", como titula Jorge Mourinha. Diz o cineasta: "Os géneros são como as formas de borboleta ou de gatinho que se usam para fazer bolachas: servem para dar ao espectador esta ideia de que o território que está a ser visado é um território de léxico compreensível. Servem para resumir, para atalhar terreno. O cliché é uma coisa extremamente importante e útil!".
Ainda no cinema português, falámos com Fernando Vendrell, que realizou Sombras Brancas a partir do livro De Profundis, Valsa Lenta. É uma adaptação não canónica daquela obra de 1997, na qual José Cardoso Pires narra a sua experiência de doente que sofreu um AVC e viu o seu lobo cerebral da comunicação e da escrita ser afectado. Que cinema que sai daqui?
Quase 25 anos depois, os Everything but the Girl estão de volta, "com toda a vulnerabilidade que pauta a música de Tracey Thorn e Ben Watt", escreve Daniel Dias. Ainda na música, Aladdin Sane faz 50 anos e a efeméride não escapou à máquina que mantém o legado de David Bowie em permanente actualização. Amílcar Correia volta a este clássico, canção a canção.
Nesta edição, continuamos a olhar para o Festival Dias da Dança, em dose dupla: a consagrada Tânia Carvalho (Versa-vice, "como sempre, não se explica: é a cabeça prodigiosa de uma coreógrafa a emanar energias") e a revelação Ana Isabel Castro, cujo perfil publicaremos em breve online.
E há mais neste Ípsilon. Esperamos que goste. Boas leituras.