Morreu Mark Stewart, um dos nomes fundamentais do pós-punk

O músico dos Pop Group, que cruzaram funk, punk, jazz, dub, noise e anticapitalismo, desapareceu aos 62 anos.

Foto
Os Pop Group em 2015, no Serralves em Festa, no Porto fernando veludo/nfactos

O punk deu-lhes “o poder da arrogância” e a vontade de estilhaçar por completo o género. Agressão punk, guitarras funk, sopros jazz libertários, tudo em implosão, tudo em questão: eram assim os seus The Pop Group. Esta sexta-feira o pós-punk perdeu um herói: morreu Mark Stewart, aos 62 anos.

A notícia da morte do músico britânico foi confirmada pela sua editora, que não revelou a causa do óbito. “Em honra deste homem original, destemido, sensível, artístico e divertido, pensa por ti próprio e questiona tudo. O mundo mudou por causa de Mark Stewart, nunca será o mesmo sem ele”, escreveu a Mute Records. Músicos como Lee Ranaldo (Sonic Youth) e Adrian Sherwood lamentaram o desaparecimento de Mark Stewart.

Os Pop Group podiam ter sido uma banda funk, mas a revolução punk, em meados dos anos 1970, contaminou-os e desviou-os.

Essa energia foi canalizada logo em 1979 para um disco seminal do pós-punk, esse termo aberto que designa as múltiplas aventuras que se seguiram à explosão punk dos Clash, Sex Pistols e companhia: em Y, a estreia dos Pop Group, há guitarras em devir funk e motim punk, free jazz (Stewart era fã de Albert Ayler), teclados insurrectos, canções pop sabotadas, liquefacção noise, tudo filtrado pelas técnicas do dub (o dedo do produtor Dennis Bovell), e um vocalista em alucinação, expressivo como poucos.

“Lembro-me de pôr a tocar linhas de baixo reggae ou funk e dizer: ‘Ouve isto’. Ouvíamos Funkadelic em festas e alguém dizia ‘Vamos tocar isso’. Depois alguém tocava guitarra tipo Richard Hell ou os Television do início. Era como se estivéssemos a tocar três canções ao mesmo tempo, algo que eu achava que acontecia porque não sabíamos tocar verdadeiramente”, contou Mark Stewart à Rolling Stone.

Stewart emprestava forte carga política, anticapitalista, anticonsumista, às canções. We are all prostitutes, single desse ano de 1979, por exemplo, apontava o dedo a cada um de nós. “We are all prostitutes/ Everyone has their price”, cantava e guinchava, enquanto as guitarras se contorciam atrás dele. “Capitalism is the most barbaric of all religions”, diria mais à frente. A música, essa, é um comboio desgovernado em que punk, funk e jazz disputam o lugar do maquinista.

Mark Stewart “uivava encantamentos imagísticos como um cruzamento entre Antonin Artaud e James Brown”, escreveu Simon Reynolds na “bíblia” pós-punk Rip It Up and Start Again. Poesia, teatro e menear de ancas.

A influência da banda foi profunda (ouvimos ecos deles nos Fugazi, nos Sonic Youth, no revivalismo pós-punk dos anos 2000, entre outras paragens), mesmo que o grupo pouco tenha durado. Em 1980, depois de um segundo disco (For How Much Longer Do We Tolerate Mass Murder?, editado pela instituição Rough Trade), os Pop Group terminaram. Stewart iniciaria carreira a solo e um percurso com colaborações com artistas como New Age Steppers, Tackhead, Ryuichi Sakamoto e Daddy G (Massive Attack).

Em 2010, Stewart ressuscitou os Pop Group com três dos cinco membros originais. O disco de 2015 Citizen Zombie mostrou uma banda “tão sem compromissos e confrontacional” como dantes, escreve o site especializado AllMusic. Nesse ano, actuaram no Porto, no Serralves em Festa. O último álbum dos Pop Group, Honeymoon on Mars, foi lançado em 2016.

Sugerir correcção
Comentar