O regresso dos Everything but the Girl, quase 25 anos e uma pandemia depois

Tracey Thorn e Ben Watt estão de volta, com toda a vulnerabilidade que pauta a sua música.

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A pandemia moldou o regresso dos Everything but the Girl Edward Bishop

Kiss me while the world decays”, canta Tracey Thorn no clímax de Nothing left to lose, a faixa de abertura do primeiro disco dos Everything but the Girl em quase um quarto de século. Este verso descreve na perfeição a dupla britânica que na década de 1990 fez sucesso com a sua pop envolta em especiarias trip-hop e house. É todo sentimentalão, assim se sujeitando ao julgamento trocista de ouvintes com pouca paciência para declarações pouco subtis como esta (a tradução é qualquer coisa como “Beija-me enquanto o mundo se desintegra”), mas é também muito honesto e cheio de intenção, expondo-se porque, sabe ou crê quem o escreveu, haverá quem se identifique com o sentimento.

Os Everything but the Girl estão de volta, com toda a vulnerabilidade que pauta a música de Tracey Thorn e Ben Watt, companheiros de vida que agora, em Fuse, voltam a ser companheiros musicais. Voltaram a compor juntos no início da pandemia, que obrigou o casal a praticar uma forma severa de isolamento (Watt sofre de uma doença auto-imune rara, pelo que os dois músicos, fechados em casa, por vezes até entre si tinham de praticar distanciamento).

O período pandémico acabou por moldar o que se ouve nas novas canções do grupo, ora mais dançáveis (apesar da introspecção permanente) ora mais meditativas. A necessidade de ir ao encontro do outro vai pairando. Há também alusões a um sentimento de perda, fáceis de encontrar em canções como (lá está) Lost, um dos melhores e mais tocantes temas de Fuse. Por cima de uma batida etérea com algo de nostálgico e melancólico, Tracey enumera uma série de coisas que perdeu. A lista começa com uma confissão — “I lost my mind last week” —, depois salta para problemas do quotidiano mais pequenos, não insignificantes, porém geríveis — a cantora diz que perdeu as malas, o seu maior cliente… —, e acaba voltando a territórios mais pesados: “I lost my faith and my best friend/ I lost my mother.” (Convém deixar claro que a mãe de Tracey morreu anos antes do início da pandemia.)

Nos quase 25 anos que já passaram desde que os dois músicos, agora com 60 anos, se despediram pela primeira vez com Temperamental (1999), o álbum mais inspirado pela música house de um grupo que viveu várias eras (antes da fase electrónica houve, não só mas também, uma pop jazzística com traços de bossa nova, por exemplo), a voz de Tracey Thorn mudou: está agora mais grave e desgastada.

A cantora disse recentemente à Pitchfork que tem recebido estas transformações inevitáveis com entusiasmo: sente que agora está mais “humano” este que sempre foi o elemento central da música do duo. As “rugas” na voz ajudam a fazer de Fuse o seu álbum mais “adulto”: em When you mess up, sobre um piano triste, Tracey assume o papel da envelhecida exploradora que procura dizer aos mais novos da matilha para estes praticarem a arte do autoperdão quando inevitavelmente tomarem decisões erradas. Há o risco de a atitude parecer condescendente, mas percebe-se que há aqui mais cuidado e carinho do que outra coisa.

Outro pormenor relevante sobre a voz de Tracey em Fuse é que, em algumas canções, ela é manipulada digitalmente por Ben Watt. Nas palavras dos músicos ao The Guardian, deixa de ser tratada como um elemento “sagrado” cuja pureza deve ser protegida a todo o custo; passa a ser trabalhada como mais um elemento da tapeçaria musical. Isto ajuda a “modernizar” o som dos Everything but the Girl, que, depois de várias metamorfoses, continuam interessados em se renovar ligeiramente.

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