Justiça desportiva investiga suspeitas de aliciamento em benefício do Benfica

Comissão de Instrutores da Liga abriu inquérito “de natureza sigilosa” a suspeitas de aliciamento de jogadores. Órgão pediu ao DCIAP certidão de acusação contra César Boaventura.

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Inspector destaca "ligação clara e suficiente" entre César Boaventura e Luís Filipe Vieira, ex-presidente do Benfica EPA/JOSE SENA GOULAO

A Comissão de Instrutores da Liga está a investigar suspeitas de aliciamento de jogadores de Rio Ave e Marítimo em benefício do Benfica, apurou o PÚBLICO através consulta do processo que tem como principal arguido o empresário César Boaventura.

O órgão de natureza disciplinar que funciona no seio da Liga Portugal abriu um inquérito – de "natureza sigilosa" – que versa sobre práticas de aliciamento no futebol. Foi devido a esta investigação que, no passado dia 6 de Abril, a Comissão de Instrutores pediu a emissão de certidão da acusação deduzida no processo contra o empresário com laços de proximidade à antiga direcção do Benfica.

O PÚBLICO questionou a Comissão de Instrutores relativamente à tramitação e prazo para o inquérito, mas não foi possível obter uma resposta ao pedido de esclarecimento.

No pedido remetido para o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), os instrutores adiantam que o processo se encontra “pendente” e que “tem por objecto a averiguação da factualidade que se julga coincidir, pelo menos em parte” com a presente nos autos. Especificam ainda que o inquérito se relaciona com “uma eventual tentativa de aliciamento de jogadores no âmbito das competições profissionais de futebol”.

Queriam evitar Benfica

César Boaventura é o principal arguido do processo que tem por base suspeitas de aliciamento de jogadores de Rio Ave e Marítimo em benefício do Benfica. O empresário é acusado de três crimes de corrupção activa e um crime de corrupção activa na forma tentada. Boaventura é ainda arguido num outro processo, que envolveu a Operação Malapata, no qual são investigados crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais.

Os rioavistas Marcelo, Cássio e Lionn e ainda o maritimista Salin acusam Boaventura de lhes ter proposto avultadas somas de dinheiro para facilitarem nos jogos contra o Benfica. As abordagens descritas pelos jogadores aconteceram nos dias que antecederam as respectivas partidas frente às “águias” e tinham, como pretexto inicial, alegados interesses de clubes estrangeiros.

Os jogadores decidiram falar com o treinador Pedro Martins, chegando-se a realizar uma reunião entre os capitães e os responsáveis do clube. Os jogadores em causa pediram ao técnico para ficarem de fora contra o Benfica, por medo que um erro involuntário pudesse levantar suspeitas. Aceitaram depois de Pedro Martins assegurar a confiança neles. Lionn acabaria por nem ir a jogo, ressentido de uma lesão.

De acordo com o relato de Lionn, Boaventura terá dito que Luís Filipe Vieira “queria pagar” 80 mil euros ao jogador para “levar amarelo na primeira parte, fazer um penálti e ser expulso na segunda parte”. Já Marcelo diz que Boaventura lhe perguntou se queria “fazer um penálti” em prejuízo da própria equipa. Cássio alega que Boaventura lhe terá revelado que Lionn e Marcelo também tinham sido abordados, garantido que os colegas de equipa tinham aceitado a oferta.

No caso de Salin, a alegada abordagem para facilitar contra o Benfica ocorreu no Funchal. O guarda-redes relata que se encontrou com Boaventura a poucos dias do jogo frente às "águias" de 8 de Maio de 2016, com o empresário a mencionar uma proposta de um clube estrangeiro com salário anual de 300 mil euros. Por um lado, garante não ter dado credibilidade à proposta por não conhecer César Boaventura, mas diz que o que mais pesou foi a "forma inusitada" como lhe apresentaram a proposta.

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Luís Filipe Vieira e César Boaventura tinham "relação inequívoca de interesse e confiança", diz inspector da PJ Miguel A. Lopes/Lusa

"Relação de interesse e confiança" com Vieira

Apesar de a investigação concluir que o alegado aliciamento foi para benefício do Benfica, o clube não foi formalmente acusado neste processo. As magistradas consideram não terem sido recolhidos indícios suficientes de que César Boaventura “tenha sido incumbido de qualquer tarefa” por parte de alguém na liderança do Benfica, arquivando o processo neste ponto.

Durante a investigação, uma das preocupações do inspector titular do processo foi justamente as ligações de Boaventura com a cúpula dirigente da Luz.

Foram analisadas mensagens de texto e de correspondência electrónica trocadas entre o intermediário e o ex-presidente Luís Filipe Vieira. Em alguns casos, Boaventura intermediou negociações de jogadores em nome do Benfica, pedindo para ser apresentado em algumas conversas como agente do clube.

Da análise à correspondência electrónica, a Polícia Judiciária considera ficar provada a “demonstração inequívoca de uma relação de interesse e confiança pessoal” entre Vieira e Boaventura, justamente pelo peso que o empresário aparenta ter no mercado de transferências “encarnado”.

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