PJ copiou e-mails de Rui Costa durante buscas na Luz

Operação Malapata motivou buscas em Dezembro de 2021. À correspondência do presidente do Benfica, juntam-se os e-mails de Rui Pedro Braz e Luís Filipe Vieira.

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Rui Costa sucedeu a Luís Filipe Vieira na presidência do Benfica MIGUEL A. LOPES/Lusa

A Polícia Judiciária (PJ) copiou os conteúdos das caixas de correio electrónico do presidente do Benfica, Rui Costa, do director desportivo, Rui Pedro Braz, e do ex-presidente Luís Filipe Vieira, durante as buscas no Estádio da Luz no âmbito da Operação Malapata, em Dezembro de 2021. Os ficheiros constam do processo que tem como principal arguido o intermediário César Boaventura, consultado pelo PÚBLICO esta segunda-feira.

No caso do presidente do Benfica, os agentes recolheram quase cinco gigabytes de e-mails. O ficheiro da caixa de correio de Rui Pedro Braz, oficializado como director desportivo em Junho de 2021, aproxima-se dos dois gigabytes. Foram ainda apreendidos os telemóveis dos dois responsáveis, com as autoridades a extraírem as mensagens trocadas entre estes e César Boaventura no WhatsApp.

Questionada pelo PÚBLICO, a equipa jurídica do Benfica não teceu qualquer comentário sobre o tema.

Os responsáveis do Benfica e restantes funcionários auxiliaram as autoridades nas buscas, mas a recolha deste material valeu o desagrado dos advogados das “águias” no momento das diligências, alegando a presença de informações pessoais, profissionais e comerciais nestes dados. Por esse mesmo motivo, as “águias” pediram a selagem e exclusão da publicidade destes ficheiros, solicitando o reconhecimento da irregularidade desta apreensão.

No que diz respeito à Operação Malapata, não há qualquer arguido com ligação ao clube da Luz, com as buscas a terem-se estendido também ao estádio de Alvalade nesse mesmo dia. Foram ainda alvo de buscas várias empresas e escritórios de contabilidade.

Em Janeiro passado, o presidente do Benfica foi, juntamente com Luís Filipe Vieira, constituído arguido num megaprocesso que investiga crimes de corrupção desportiva. Em Dezembro de 2021, as buscas na Luz arrastaram-se mais de dez horas. Do manancial de informação recolhida constam os contratos de 13 jogadores: em cinco destes casos, apenas foi possível aos investigadores consultar as cópias de oito contratos, visto que os originais dos restantes já tinham sido recolhidos no âmbito de outros processos.

Relativamente aos e-mails dos responsáveis “encarnados”, as caixas de correio electrónico estão encriptadas e não permitem a consulta, de modo a assegurar a privacidade dos visados. Transcritas no processo estão as mensagens de WhatsApp trocadas pelos dois responsáveis com César Boaventura, empresário que mantinha uma boa relação com o antigo presidente das “águias”, Luís Filipe Vieira.

Pede 800 mil euros ao Benfica

Para a investigação, a cumplicidade entre Luís Filipe Vieira e César Boaventura deixa poucas dúvidas. Prova disso são os encontros presenciais em hotéis e as chamadas telefónicas que abordam a negociação de jogadores e treinadores.

Ainda que o antigo presidente do Benfica cultivasse um relacionamento cordial com o intermediário de jogadores acusado de dez crimes – cinco de burla qualificada, três de falsificação de documentos, um de fraude fiscal e outro de branqueamento de capitais –, a relação com a nova direcção não foi tão frutífera para o empresário.

Após a saída de Vieira do clube na sequência da detenção na Operação Cartão Vermelho, Boaventura procurou manter vivas as relações com o novo presidente, Rui Costa, e o director desportivo, Rui Pedro Braz.

Questionou, por diversas vezes, os dois responsáveis sobre preços de jogadores, alegando ter clubes interessados a oferecer o dinheiro pretendido. Em algumas ocasiões, Rui Costa e Rui Pedro Braz respondiam afirmativamente às propostas feitas por Boaventura, mas raríssimas vezes as intenções anunciadas passavam ao papel.

Em Julho de 2021, o relacionamento entre o Benfica e Boaventura teve um travão brusco, após a transferência de Nuno Tavares para o Arsenal.

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Estádio da Luz foi alvo de buscas em Dezembro de 2021 RAFAEL MARCHANTE/Reuters

Numa conversa de WhatsApp com Rui Pedro Braz, o empresário César Boaventura reencaminha o contacto de Edu Gaspar, coordenador técnico do Arsenal. Em privado, o director do clube londrino e Boaventura discutem o interesse do Benfica e as negociações.

A transferência é tratada com os empresários do jogador e os gunners. Boaventura não representava Nuno Tavares, procurando figurar apenas como um elemento de ligação entre o Arsenal e o Benfica. Após ser anunciado o negócio, Boaventura mostra preocupação, receando ter sido excluído da transferência – e afastado de uma comissão de 800 mil euros.

Rui Pedro Braz diz por diversas vezes que o negócio está nas mãos de Rui Costa, mas, perante a insistência do empresário, o director desportivo responde assertivamente: “Já sabes que comigo só há transparência, César. Não há brincadeiras. A partir de agora, o Benfica entra numa nova era. Que isto fique bem claro para ti e para toda a gente.”

Também Rui Costa nega ter agido de forma incorrecta com o agente, que se queixa de estar a ser castigado pela relação de amizade com Luís Filipe Vieira. O empresário respondeu com uma acção judicial em que pediu 10% da comissão do jogador ao Benfica.

Redes sociais “tramam” Boaventura

A investigação a César Boaventura teve início numa denúncia anónima recebida pela PJ a 29 de Maio de 2020. Um “indivíduo do sexo masculino” alega ter ouvido Boaventura dizer que pagar os impostos “é para os burros”, com o intermediário a gabar-se de não pagar “um cêntimo” ao fisco.

Uma primeira pesquisa pelas redes sociais de Boaventura mostrou uma fotografia de um BMW de alta cilindrada, que, ao que a investigação apurou, não tinha registo nem seguro. Este carro estava ainda em nome de uma empresa “inactiva há vários anos”, algo que evidenciava uma “tentativa de ocultar a aquisição deste bem”.

Outro dos elementos que causou estranheza foi o facto de Boaventura ter dado às autoridades contactos de empresas que já tinham sido dissolvidas. A primeira tentativa de seguir uma deslocação do agente culminou em fracasso, visto que o empresário circulava a uma “velocidade muito superior ao limite legal” na auto-estrada.

Durante vários meses, a PJ interceptou as comunicações telefónicas de Boaventura, que não terá apresentado, durante largos anos, qualquer declaração de rendimentos junto da Autoridade Tributária, tendo sido declarado insolvente, em 2014, pelo Tribunal de Vila Nova de Famalicão.

Contrastante com essa situação financeira delicada era a vida exibida pelo empresário nas redes sociais. As moradias de luxo e carros potentes seriam uma forma de transmitir uma imagem de sucesso e convencer vários contactos a emprestar-lhe dinheiro, com o Ministério Público a acusá-lo de forjar contratos, confissões de dívida e extractos bancários.

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