Matar? Só o tempo
Dos intermináveis prédios às aldeias sem asfalto, das diferenças à indiferença.
Por vezes vem à memória o Alentejo. Grandes planícies. Umas abandonadas, outras cultivadas. Em cimento armado já decadente, espigas coladas a rodas dentadas fazendo lembrar os planos quinquenais. A mecanização da agricultura. Os milhões de toneladas. Por vezes um tanque de guerra queimado. Uma placa vermelha com uma caveira – minas. Edifícios abandonados. Até um caça MIG solitário. Comido pelo tempo e coberto de vegetação à entrada de um portão. Talvez em tempos que já lá vão, um quartel de futuros pilotos. Também há escolas e aldeias. Galinhas e amendoeiras em flor. A Primavera. A ofensiva.
As cidades têm os seus encantos. O campo ainda mais. Aqui, como aí, as diferenças são grandes. As cidades são enormes com largas avenidas. Prédios de habitação a perder de vista enfiados em jardins onde se passeia e namora. Milhares de árvores. Metro, parques infantis, teatros, museus, cafés e o famoso hambúrguer. Sente-se ainda a planificação urbanística da era soviética onde não existia a famosa especulação imobiliária. Também se avista a degradação. Urbana e humana. Quase já ninguém lê um livro ou joga xadrez. O telemóvel ligado à rede universal tomou conta de novos e velhos. A toponímia mudou. Mas o hábito é traiçoeiro. Em Dnipro, todos continuam a chamar a avenida principal de Karl Marx.
Nas aldeias, as ruas não são asfaltadas. As casas são quase sempre de madeira. Abundam ainda os velhos automóveis. Sujos de lama. O bom ar puro. Os velhos com dentes de ouro. Os cães a ladrar. Também há crateras de mísseis, trincheiras e paredes derrubadas. Sinos. Pele arrancada e cemitérios a crescer. O rapaz loiro que fotografei sentado numa feia cruzeta de metal onde já existiu um checkpoint, é o sinónimo da indiferença. Ouvem-se os estoiros ao longe. Homens ferem-se e matam-se. O rapaz loiro ali está. Sentado a olhar quem passa. São muito poucos. A matar somente o tempo. Com ar de gozo. Como quem diz "vão todos à merda, por favor. Eu só quero crescer e ser feliz!"