Oh!Vargas celebra o 25 de Abril com língua de vaca com puré e outras memórias de 1974
O restaurante de Santarém, cidade de onde partiu a coluna chefiada por Salgueiro Maia, propõe uma série de pratos a recordar os anos 70.
O que é que comíamos em 1974? As memórias são muito pessoais, por isso nunca poderá haver consenso sobre um menu que nos transporte de volta aos tempos da revolução, mas é possível tentar. É o que acontece no restaurante Oh!Vargas, em Santarém, que, entre 25 e 30 de Abril, vai servir alguns pratos que são familiares para quem já era nascido no ano em que Portugal conquistou a democracia, numa espécie de “Conta-me como foi” gastronómico.
Língua de vaca com puré de batata, por exemplo – já é raro encontrar nos restaurantes portugueses este prato que há meio século era comum em muitas das nossas casas. E os ovos verdes? Trabalhosos, é certo, mas populares numa época em que a vida era menos acelerada e era possível dedicar mais tempo a uma receita.
Para chegar ao conjunto de pratos que estarão disponíveis no Oh! Vargas (em complemento à carta habitual), os proprietários Manuel Vargas e Teresa Esteves, com a ajuda da consultora Joana Pratas, foram procurar gastrónomos que tivessem memórias de 1974: os jornalistas Paulo Salvador, Manuel Gonçalves da Silva e Duarte Calvão, do blogue Mesa Marcada, e ainda Virgílio Gomes, investigador e autor de vários livros sobre gastronomia.
As memórias eram muitas e diversas, mas algumas coincidiam. Paulo Salvador, que nasceu em Angola, no Lubango (ex-Sá da Bandeira) e passou grande parte da sua infância em Luanda, só veio para Portugal em 1975 e recorda que nos primeiros tempos viveu numa pensão, onde todos os dias eram servidos pratos diferentes.
Não esqueceu o Pudim Boca Doce, sobremesa frequente na pensão, mas a língua de vaca com puré faz também decididamente parte das suas memórias, e é com exclamações de prazer que prova a que o chef Rui Lima Santos preparou para a carta do Oh! Vargas.
Desta vez, Rui Lima Santos conteve a sua criatividade e optou por seguir as receitas tradicionais. Só assim as pessoas poderão reconhecer os sabores das suas infâncias ou juventudes. E lá está o caldo verde (4€), com generosas rodelas de chouriço, que se distingue apenas pela cor do caldo, mais escuro, não só porque as carnes foram cozinhadas nele como por ter sido feito numa panela de ferro fundido.
Nas entradas, há ainda carapauzinhos de escabeche (6€) e os incontornáveis ovos verdes (6€). Da lista de pratos sugeridos pelos especialistas, chegou-se, para os de peixe, aos pastéis de bacalhau com arroz de tomate (13€), impecavelmente fritos, e ao pargo assado no forno (21€), talvez menos característico do que outras sugestões que ficaram no papel (mas não é de excluir que venham a ser recuperadas no futuro), como os filetes de pescada com salada russa.
Nas carnes, para além da língua (15€), há umas deliciosas salsichas frescas com couve lombarda e arroz. E nas sobremesas, é difícil a opção entre a pêra bêbeda (4€) e o arroz-doce tradicional (4,50€). Muitas outras memórias ficaram de fora, mas Joana Pratas sublinha que este é apenas o primeiro ano de um projecto que deverá ter continuação em todos os aniversários da revolução.
Afinal, foi da Escola Prática de Cavalaria de Santarém que, na madrugada do 25 de Abril, partiu a coluna chefiada por Salgueiro Maia, que viria a tornar-se o mais emblemático dos Capitães de Abril. Manuel e Teresa acreditam que o seu restaurante deve ajudar a que não se perca a memória da importância desta cidade na história recente do país.
O Oh! Vargas tinha aberto um ano antes, em 1973, quando os pais de Manuel, Olívia e Vítor, recentemente falecido, decidiram transformar o local onde, durante a década de 60, o avô Manuel “servia lanches e assava leitões para os amigos” num restaurante mais clássico. Hoje nas mãos de Manuel e Teresa, o Oh! Vargas, que sofreu uma profunda remodelação em 2019, tem duas salas (uma delas para grupos e eventos), uma garrafeira com mais de 400 referências e tornou-se paragem obrigatória para quem passa por Santarém, gosta de boa comida e aprecia, como Paulo Salvador, fumar um charuto à sombra da belíssima glicínia centenária que se espraia sobre a esplanada.