Por que razão as ONG decidem inovar
As ONG pensam na inovação como uma aprendizagem rumo à transformação social. São as crises, e não a pressão dos financiadores, o principal motivo pelo qual inovam.
“Inovação” é uma das palavras mágicas do nosso tempo. No discurso público e político, inovar é a solução para qualquer problema e a inovação tornou-se numa área de investigação muito popular. No entanto, quando comecei a minha tese de doutoramento sobre inovação em organizações não-governamentais (ONG) foi surpreendentemente difícil encontrar um debate académico plural sobre o tema.
Em vez de um diálogo entre várias perspetivas, há uma visão dominante: inovação é sinónimo de tecnologia e a inovação tecnológica é o único caminho para um progresso que se traduz em desenvolvimento económico. Como questionar esta ideia tão positiva e evidente?
O meu interesse pelo tema da inovação nas ONG começou com a experiência como gestora de projetos de ONG na Nigéria, em Moçambique e Madagáscar, onde a minha organização trabalhava para melhorar os sistemas de transportes e mobilidade em comunidades rurais. Não bastava mostrar que compreendíamos os desafios e tínhamos formas de os ultrapassar. Com o passar do tempo, o mais importante para as entidades financiadoras era trazer soluções completamente novas – e, de preferência, tecnológicas. Afinal, a inovação tecnológica era vista como a solução para aumentar o impacto e a eficácia da ajuda internacional.
Mas o que se entendia exatamente por inovação? Como sempre, esta palavra mágica dispensava explicações e precisava apenas de ser impulsionada.
Crises como motor de inovação
Na minha investigação comecei por duas perguntas simples: “Como é que as ONG abordam atualmente a inovação no seu trabalho? Porque é que decidem inovar?” Numa fase inicial contactei 20 redes de ONG de todo o mundo. Posteriormente, estudei a fundo os casos de duas redes, uma no Brasil e outra nos Países Baixos.
Descobri que as ONG pensam na inovação como um processo de aprendizagem para a transformação social e que as crises (económicas, sociais, democráticas), e não a pressão dos financiadores, são o principal motivo pelo qual inovam.
No atual contexto de incerteza, as ONG procuram imaginar futuros alternativos para o desenvolvimento – por isso, a inovação assume múltiplos significados e não se restringe à tecnologia nem à ideia de desenvolvimento económico: pode ser política e transformadora. No Brasil, por exemplo, em resposta à crise democrática, organizações de quadrantes políticos opostos juntaram-se num movimento inédito para defender ideais de democracia participativa através do debate e da informação de qualidade.
Os resultados da minha investigação podem ajudar as ONG e os seus financiadores a deixarem de ver a inovação como um fim e passarem a utilizá-la como uma ferramenta de análise para compreender realidades incertas e complexas, identificar oportunidades para a mudança coletiva e construir utopias.
Estudante de doutoramento do programa de Estudos do Desenvolvimento no Centro de Estudos sobre África e Desenvolvimento no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG)
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico