Nova presidente da comissão da Igreja quer prevenção dos abusos sexuais no currículo do pré-escolar

Rute Agulhas vai, juntamente com a também psicóloga Joana Alexandre, propor que a prevenção dos abusos sexuais integre as orientações do pré-escolar com carácter obrigatório.

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A educação pré-escolar abrange crianças dos três aos cinco anos de idade Adriano Miranda (arquivo)

A psicóloga Rute Agulhas, que será a nova presidente da comissão contra os abusos sexuais na Igreja Católica, quer que a prevenção dos abusos sexuais de crianças e jovens se torne tema obrigatório nas orientações curriculares para o pré-escolar, que abrange crianças dos três aos cinco anos de idade. A proposta, subscrita em conjunto com a psicóloga e docente Joana Alexandre, vai ser apresentada no seminário intitulado Abuso Sexual de Crianças: Respostas Presentes e Propostas Futuras, que decorrerá no dia 19, no ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa.

Numa altura em que a comissão de revisão constitucional já concordou em consagrar na Constituição o ensino pré-escolar como “universal, obrigatório e gratuito”, abrindo, assim, caminho para que a escolaridade obrigatória comece logo aos três anos de idade, conforme constava, de resto, no programa eleitoral do PS como arma de luta contra a pobreza, as duas psicólogas consideram que “é através da discussão e da normalização” do tema que se conseguirá educar as crianças sobre a problemática dos abusos sexuais, “ajudando-as a pedir ajuda face a situações de risco”.

“A prevenção do abuso sexual cruza-se com os direitos, humanos, de saúde e sexualidade. E a educação para a cidadania que já existe nas escolas garante o pano de fundo que nos permite trabalhar de forma mais sistemática e regular a questão do abuso sexual em termos preventivos”, explicou ao PÚBLICO Joana Alexandre, cuja proposta inclui a inclusão desta temática com carácter obrigatório nas orientações curriculares emanadas pelo Ministério da Educação.

“A experiência doutros países dá-nos a evidência de que é possível abordar estes temas sem traumatizar as crianças, ligando-os à questão dos segredos, que permitirá às crianças saberem que há segredos bons que podem ser guardados e outros que não devem guardar, bem como aos toques que geram desconforto”, exemplifica aquela docente do ISCTE, para quem “as emoções ligadas aos segredos e aos toques e a capacidade de pedir ajuda” devem integrar igualmente o cardápio de temas a trabalhar com as crianças do pré-escolar.

“É fundamental que ensinemos as crianças a pedir ajuda desde muito cedo, sobretudo porque a pandemia veio, como sabemos, facilitar a exposição das crianças à Internet e às redes sociais, onde o grooming [aliciamento online de menores] se acelerou. E os adultos nem sempre estão a supervisionar esse acesso”, acrescentou Joana Alexandre.

A psicóloga é co-autora, juntamente com Rute Agulhas, de um jogo de tabuleiro destinado a prevenir casos de abuso sexual de crianças e jovens. O jogo foi adaptado à realidade social de Cabo Verde, muito marcada pela exploração sexual de crianças, mas “pode ser adaptado ao contexto religioso, nomeadamente a crianças que frequentem a catequese e também nos colégios”, conforme assinalou Rute Agulhas, no início de Março, pouco depois da divulgação do relatório em que a comissão independente coordenada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht recolheu 512 testemunhos e estimou a existência de, pelo menos, 4815 crianças vítimas de abuso sexual perpetrado por clérigos, desde 1950 até à actualidade.

O Ministério da Educação vai fazer-se representar no seminário de quarta-feira através de José Carlos Sousa, director de serviços de projectos educativos da Direcção-Geral da Educação (DGE), o organismo responsável pela execução das políticas e formulação do desenvolvimento curricular do pré-escolar, dos ensinos básico e secundário e da educação extra-escolar. “Temos sido chamadas a dar formação em muitas escolas, o que nos permite perceber que já há um investimento nestas matérias, mas falta efectivamente colocar estes programas de prevenção nos currículos escolares, porque sabemos que isso ajuda a aumentar a eficácia da intervenção”, insiste Joana Alexandre.

O relatório Dar voz ao Silêncio, relativo aos abusos sexuais ocorridos em meio eclesial, recomendou a realização de um estudo retrospectivo dos abusos sexuais de menores alargado à generalidade dos locais de socialização das crianças, porque, conforme sustentou então ao PÚBLICO a socióloga Ana Nunes de Almeida, co-autora desse relatório, a maior parte dos abusos sexuais de crianças não ocorre na Igreja, mas fora dela, “na família e noutros lugares de socialização como os clubes desportivos, as escolas talvez, as equipas…”.

Em meados de Março, o Governo anunciou que esse estudo será coordenado pela Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens, actualmente presidida por Rosário Farmhouse.

Notícia corrigida às 13h00 com a informação de que o Governo vai promover um novo estudo sobre abusos sexuais de crianças na sociedade em geral, coordenado por Rosário Farmhouse.

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