Tribunal de recurso mantém venda de pílula abortiva nos EUA com limitações
Colectivo de juízes reverte parte da decisão de um juiz do Texas, mas mantém proibição da venda por correspondência e de uso além das sete semanas de gravidez.
A pílula abortiva mifepristona, que é vendida nos Estados Unidos há mais de 20 anos e é hoje usada em mais de metade dos abortos no país, vai continuar à venda nas próximas semanas, até que um tribunal de recurso anuncie uma decisão final sobre a proibição ordenada por um juiz do Texas na semana passada.
A decisão, anunciada na noite de quarta-feira, é apenas uma vitória parcial para as organizações de defesa do direito ao aborto e para os advogados do Departamento de Justiça, e deve ser alvo de recurso para o Supremo Tribunal por ambas as partes.
Os três juízes do Tribunal da Relação do 5.º Circuito — dois juízes nomeados por Donald Trump e uma juíza nomeada por George W. Bush — mantiveram em vigor outras partes importantes da decisão do juiz do Matthew Kacsmaryk — nomeado por Trump e um conhecido opositor do aborto.
Apenas a juíza nomeada por Bush, Catheryne Haynes, disse que aprovaria na totalidade o recurso contra a decisão do juiz do Texas.
Por maioria, o colectivo decidiu que a mifepristona só poderá a ser usada até às sete semanas de gravidez — e não até às dez semanas, como acontecia desde 2016 por autorização da autoridade nacional do medicamento dos EUA, a FDA (Food and Drug Administration). Os juízes decidiram também manter a ordem de proibição de venda da pílula através dos correios.
Em conjunto, a extensão do prazo para o uso da mifepristona até às dez semanas e a sua venda por correspondência foram muito importantes para o aumento do número de abortos realizados em segurança, segundo as organizações de defesa do direito ao aborto.
Segundo o colectivo de juízes do 5.º Circuito, o juiz do Texas não podia ordenar uma proibição total da venda do medicamento porque os queixosos — um grupo de médicos e associações anti-aborto — esperaram tempo demais para recorrerem aos tribunais desde que a pílula começou a ser vendida, no ano 2000. Mas podia — e essa decisão foi validada em sede de recurso — reverter alterações introduzidas em anos mais recentes, incluindo a passagem de sete para dez semanas e a venda por correspondência.
O uso da mifepristona passou a ser o novo alvo das organizações anti-aborto depois de o Supremo Tribunal norte-americano ter revertido o direito constitucional ao aborto nos EUA, no Verão de 2022.
Na sexta-feira, o juiz Matthew Kacsmaryk aceitou um pedido para a proibição da venda de mifepristona em todo o país. Segundo o juiz do Texas, a FDA não cumpriu os procedimentos de segurança no processo de aprovação da venda de mifepristona em 2000, pelo que o medicamento teria de ser retirado do mercado.
Na altura, o juiz suspendeu a sua decisão por sete dias para que os advogados do Departamento de Justiça dos EUA pudessem recorrer.
A decisão anunciada na semana passada foi muito criticada por centenas de personalidades da indústria farmacêutica e de empresas que investem no sector.
"Se os tribunais podem reverter autorizações de uso de medicamentos sem qualquer respeito pela ciência nem pela complexidade dos processos de segurança e eficácia, qualquer medicamento fica em risco de ter o mesmo destino da mifepristona", diz um comunicado assinado por mais de 400 especialistas e investidores. Além dos riscos para os medicamentos existentes no mercado, os signatários temem o fim dos incentivos ao desenvolvimento de novos medicamentos.