O que podemos aprender com Jesus Cristo e a Sua Paixão
A forma como Maria ama é o amor que todas nós mães conhecemos, um amor absoluto e incondicional pelos filhos que gerámos e criámos.
Querida Mãe,
É tão fácil deixarmo-nos levar na correria do dia-a-dia, resolvendo os problemas práticos e apagando fogos, sem tempo para sentir. Mas hoje obriguei-me a parar, porque não posso aceitar que estes dias que antecedem o Domingo de Páscoa sejam vividos exactamente como todos os outros.
Crentes, agnósticos ou ateus, temos de pensar sobre o que é que andamos a fazer nesta terra, para além de lavar a roupa e fazer o jantar, e o que é que podemos aprender com Jesus Cristo — quer se considere que foi apenas um homem extraordinário, com uma mensagem que revolucionou o mundo, ou o filho de Deus.
Todos os anos, à medida que cresço, percebo de maneira diferente a história da Paixão. Quando me tornei mãe, descobri o papel de Maria nisto tudo! Uma mãe que assiste, impotente, à injustiça de que o filho é alvo, ao seu sofrimento e, por fim, à sua morte numa cruz. Uma mãe de luto. A forma como Maria ama é o amor que todas nós mães conhecemos, um amor absoluto e incondicional pelos filhos que gerámos e criámos, mas a dor de perder um filho, partilha-o apenas com as mulheres que conhecem a tragédia de perder os seus, porque é uma dor tão gigante, que não é verdadeiramente imaginável por quem tem a sorte de não ter passado por uma provação igual — que encontrem sempre consolo nos seus braços, porque ela entende-as melhor do que ninguém.
Mas este ano dei por mim a pensar, na dúvida. Sim, mãe, na dúvida, naqueles momentos em que temos quase a certeza de que estamos a fazer a coisa certa, mas, subitamente, trememos por dentro, com medo. Com medo do que pode aí vir. Com medo da morte, da nossa e da dos que mais amamos.
Jesus acreditava que era filho de Deus, que o seu destino estava pensado, programado, acautelado e, na minha cabeça, isso levava-me a pensar que entregar-se, deixar que o prendessem, torturassem e matassem teria sido mais fácil. Mas, agora, quando volto a ler estes “capítulos”, percebo que os autores dos Evangelhos nos falam de muitos momentos de incerteza, de dúvida.
Jesus tem fé, mas também tem dúvidas, também pensa "será mesmo assim"... Aqueles life-coaches diriam que nos ajuda mais imaginá-lo forte e positivo, cheio de auto-estima, sem uma migalhinha de hesitação, mas é mentira, porque quantos de nós se identificariam com alguém assim? Um super-herói, sem nada de humano, seria um ser de um outro planeta com quem não podíamos aprender nada. A coragem, o seu gesto, tem tanto valor que ainda dois mil anos e picos depois andamos a falar nela, porque o outro lado da moeda é o instinto de se salvar a si antes dos outros, o terror visceral da morte que foi capaz de superar.
É essa inspiração que levo desta Páscoa — e a mãe, o que descobriu este ano?
Querida Ana,
Obrigada por me teres obrigado a parar. Também eu ando a mil, mas agora que me sento no jardim, com o computador nos joelhos, e leio o que me escreveste, sinto-me muito mais leve.
A caça não pode ser apenas aos ovos de chocolate que escondemos para que as crianças sintam o triunfo de os encontrar, tem de ser uma busca por sentido. Um sentido para a vida que torna possível suportar os momentos mais terríveis, mas simultaneamente carregar baterias com a alegria que existe à nossa volta. Por aqui, a ressurreição é visível nas árvores despidas que se cobriram de folhas de um verde tão alface que apetece trincá-las, e nos cordeirinhos que saltitam, como nos livros da Beatrix Potter.
Mas há também medo e morte no ar, mais distante, na guerra da Ucrânia, bem mais perto, no sofrimento de grandes amigos que aceitam com tanta resiliência as mais terríveis doenças e lutos, com a bondade de não nos recriminarem por não termos tormentos iguais aos seus.
Quando Jesus crucificado exclama “Pai, porque me abandonaste?”, é um deles, é um de nós. E se o se grito de alma ficou para a História, e inscrito na história, não é por acaso. Como tu dizes, liberta-nos, porque se até aquele que acreditava ser o filho muito amado de Deus, divino como ele, se zanga e desespera, se também ele duvida e revolta, estamos todos autorizados a fazer o mesmo. Mas, depois, a terra treme e os trovões rasgam os céus em resposta. Há alguém que ouve, que escuta, que se manifesta.
A comparação é infantil, eu sei, mas é o que sente uma criança quando aterrorizada por um pesadelo corre para a cama dos pais, que a abraçam e lhe juram que farão frente a todos os monstros que a perseguem.
Ana, li um livro do Frederico Lourenço, que está a traduzir a Bíblia do grego para português — uma tradução lindíssima, cheia de notas de rodapé que ajudam a perceber melhor cada passagem —, e sublinhei as linhas em que ele confessa que apesar de ter perdido a fé, nunca poderá viver uma Sexta-Feira Santa como outro dia qualquer. Estou com ele.
O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam.