“Não está a dar, é de mais”. Seis rostos da manifestação pelo direito à habitação

Milhares marcharam desde a Alameda até ao Martim Moniz, em Lisboa, pelo direito à cidade e à habitação. Cátia, Ujala, Ricardo, Ana, Margarida e Odete marcaram presença e explicam porquê.

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Cátia Silva esteve presente pelos vizinhos desalojados

Os Despejados do PER (Programa Especial de Realojamento) são um coletivo “informal”, que reúne moradores dos bairros 6 de Maio, Estrela d’África e Santa Filomena. Era meio-dia quando chegaram à Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa, três horas antes da hora de início da manifestação. Estenderam toalhas no chão, pousaram cartolinas e uma faixa e começaram a escrever quem eram, de onde vinham e o que pediam: realojamentos e habitação digna.

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Cátia Silva vive no bairro 6 de Maio e esteve presente na manifestação "Casa para Viver" Maria Abranches

Cátia Silva, “antes de mais”, é do Bairro 6 de Maio, na Amadora. Foi despejada, mas conseguiu ser realojada “graças à luta”, garante. Estar ali era um gesto de solidariedade para com os vizinhos que foram despejados. Conta que há pessoas que vivem em mesquitas ou noutros quartos sem condições, mas há quem “tenha a sorte de ter um patrão que lhes cedeu um anexo para viverem” – falava de mulheres solteiras, com filhos, sem rendimentos para alugar uma casa.

Quer que todos possam ver “a luz ao fundo do túnel”. Se ela conseguiu, também é possível para outros que se juntem à luta. “É preciso denunciar o que se passa nestes bairros e reivindicar os nossos direitos.” Atrás dela, várias mulheres sentadas num muro baixo, enquanto esperavam que a multidão se juntasse e rumasse ao Martim Moniz, o último ponto da marcha. Mesmo antes da manifestação começar, já dançavam com os cartazes ao alto.

Ujala esteve presente porque é parte do protesto

Ujala tem 39 anos. Vive em Portugal há muito pouco tempo, mas planeia ficar, mesmo que as rendas sejam altas. Veio da Índia há quatro meses e vive em Lisboa com o marido e os dois filhos, soube da manifestação e quis juntar-se “aos cidadãos portugueses para protestar contra o preço das casas”. Não compreende como é que podem ser tão caras quando há quem receba 700€ por mês.

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Ujala chegou a Portugal há 4 meses e juntou-se aos movimentos pela habitação digna Maria Abranches

O marido chegou antes e já tem nacionalidade portuguesa. É a única fonte de rendimento do agregado, Ujala não trabalha. Pede “ao Governo para reduzir as rendas para que as pessoas consigam sobreviver”. Repete várias vezes a palavra “sobreviver”. É o que está a fazer. Mas, ainda assim, não quer sair, gosta do país e as pessoas são “muito boas”.

Ricardo Ayala esteve presente para relembrar um problema antigo

“Tirar do campo do imaginário, dos unicórnios e cair na realidade: precisamos de casas, para pessoas normais, pessoas que tenham um rendimento normal português”. Ricardo Ayala tem 42 anos e estava feliz pelo “mar de gente” que se juntou no percurso entre a Alameda D. Afonso Henriques e o Martim Moniz. Eram milhares.

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Ricardo vive no centro de Lisboa, mas garante que a habitação é um problema que existe há muito na periferia Maria Abranches

Mas só foi assim porque “o problema [da habitação] está a tocar à classe média e média alta”, garante. Quem vive na periferia já sofre há muito. Não é o seu caso, vive no centro de Lisboa com a companheira, mas tem medo que esse “luxo” termine.

Teme que o senhorio não renove o contrato e, a partir daí, a vida como a conhece pode mudar – isso assusta. Por isso sai à rua, de cartaz na mão: pede habitação digna e mostra-se contra a Fábrica de Unicórnios, projecto anunciado pelo autarca lisboeta Carlos Moedas.

Se não se baixam os preços das casas, pede que se aumentem os salários, porque assim “não está a dar, é de mais”, diz. Vai continuar a sair à rua, como tantos outros, enquanto não vir mudanças.

Ana Reis da Silva esteve presente por medidas concretas

Lutar pela concretização efectiva do direito à habitação, foi isso que levou Ana Reis da Silva, de 32 anos, à manifestação Casa para Viver. Faz parte do movimento Porta a Porta – Casa para Todos e espera que a marcha mostre ao Governo que “a população se consegue mobilizar e reivindicar a concretização dos seus direitos fundamentais”.

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Para Ana Reis da Silva, o direito à habitação é fundamental ao qual todos devem ter acesso Maria Abranches

Não quer mais “areia para os olhos”. É assim que caracteriza o programa Mais Habitação, anunciado pelo Governo a 16 de Fevereiro. Para a activista, não passam de “medidas assistencialistas e paliativas” que não respondem realmente ao problema da habitação.

Quanto à “lei Cristas”, diz que “tem de ser revogada com a maior das urgências”. Reivindica o fim dos despejos sem alternativa habitacional digna e habitação para toda a gente – diferente de habitação acessível, garante. “É um direito fundamental consagrado na Constituição, e à semelhança do direito à saúde e direito à educação, devia estar ao acesso de todos”.

Falta adaptar as rendas aos rendimentos das famílias e criar limitações à banca, diz, assertiva. Depois volta a desaparecer na multidão, junta-se a quem a acompanha e continua a marcha. As reivindicações continuam em gritos e cânticos.

Margarida Teixeira esteve presente, mas já não espera muito

Tinha 18 anos quando a última crise explodiu. Hoje tem 33 e, após mais de dez anos de manifestações, não sobra muita esperança. Foi e vai continuar a ir sempre porque quer deixar um testemunho, saber que está a fazer a sua parte. Mas não acredita no poder dos movimentos populares, não porque não tenham força, mas porque “não acredita na classe política”.

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Daniela Simões, à esquerda, e Mariana Teixeira, à direita. Maria Abranches

Partilha casa com a irmã. Vivem juntas na casa de uma avó. Margarida Teixeira não gosta daquela casa e, se conseguisse, saía de casa. Mas não tem “direito de escolha”, conta: é guia turística, ganha 900€ por mês e não consegue sustentar-se sem nenhum apoio.

Vive condicionada por este problema há anos, e não vê forma de o ultrapassar: “Estou muito desiludida com o meu país”, conta. Partilhava com a amiga Daniela Simões um cartaz onde se lia: “Tanta gente sem casa, tanta casa sem gente.” “Chegamos a um ponto sem retorno”, sublinha Daniela, “as pessoas têm de se manifestar”.

Odete esteve presente porque gosta de ver as pessoas na rua

Vive no centro de Lisboa com a irmã há mais de 20 anos. Não saiu à rua por si, mas por quem não tem um sítio digno para viver. Aos 70 anos, Odete está revoltada. Marchou pelo direito à habitação e não esconde o entusiasmo que sente ao ver “pessoas na rua a intervir, a participar”.

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Odete foi à manifestação com um grupo de pessoas Joana Gonçalves

Está insatisfeita com o Governo que, diz, “não é socialista”. Não sabe o que virá dali, mas aquela visão e aquele ambiente deram-lhe energia. Saiu com mais força para lutar “contra aquilo que acha que está mal”.

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