Em defesa do ranking europeu
A Liga Portugal teve, na última quarta-feira, a possibilidade de expor, na Comissão de Trabalho, Segurança Social e Inclusão, os seus pontos de vista sobre o Projecto de Lei 348/XV, que aprova o regime específico relativo à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho dos praticantes desportivos profissionais. Já aprovado na generalidade, o documento está agora a ser discutido na especialidade, fase em que foram ouvidas as partes que tiveram, ao longo de todo o processo, um papel na elaboração da alteração legislativa - Federação Portuguesa de Futebol, Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol e Associação Portuguesa de Seguradoras -, tendo sido a Liga Portugal a última a apresentar as suas propostas perante a Assembleia da República.
Fechado o período de discussão, a Liga Portugal, que está, há muitos anos, na liderança deste processo – a revisão do regime específico relativo à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho dos praticantes desportivos profissionais é, há muito, uma das medidas por nós assinalada como estruturante para o futuro da indústria do futebol -, espera agora que a nova redacção do Projeto de Lei seja aprovada de forma célere. Porque esta é (e tenho de deixar aqui uma palavra de apreço ao Secretário de Estado da Juventude e do Desporto, dr. João Paulo Correia, que soube perceber a relevância deste tema e o colocou na agenda) uma matéria urgente.
Coloquemos a importância deste tema em perspectiva: os 34 clubes que compõem o futebol profissional despenderam, para honrarem as suas obrigações na cobertura deste risco profissional, quase 25 milhões de euros na época 2021-2022. Se nos detivermos no período dos mandatos em que assumi a presidência da Liga Portugal, ou seja nos últimos oito anos a soma atinge 140 milhões de euros, tendo o valor correspondente a estes compromissos apresentado crescimentos anuais exponenciais ao longo do tempo. Repetindo; 140 milhões de euros nos últimos oito anos e 25 milhões no último ano.
Estes valores são o reflexo directo da taxa média exigida ao futebol profissional para a contratação destes seguros obrigatórios, que é actualmente de 20%. Outras actividades económicas suportam taxas de cerca de 1,5%. É, pois, natural que nos sintamos discriminados. Que falemos em injustiça. Porque é disso mesmo que se trata: de uma injustiça!
Porque face ao quadro legislativo em vigor, as seguradoras consideram – por terem de criar provisões adequadas ao nível de sinistralidade existente - estar desprotegidas, transferindo, naturalmente, esse risco para os clientes. Ou seja, os clubes, que são altamente prejudicados quando comparamos o futebol profissional com outras indústrias. Mas também quando comparamos quanto têm de assumir em matéria de seguros os clubes com que competimos a nível internacional.
Foquemo-nos, para que seja evidente o nível de desigualdade, no limiar mínimo de incapacidade, abaixo do qual não existe obrigação de reparação relativa à Incapacidade Física Parcial. Em Espanha, esse limiar mínimo está fixado em 33%; na Alemanha em 20%; no Reino Unido em 14%; e em França nos 10%. Em Portugal não há, no quadro legal em vigor, qualquer limiar mínimo previsto…
Não pretendemos, gostaria de ser claro, reduzir os direitos de quem quer que seja. Muito menos dos jogadores, parte importantíssima desta indústria. Como são os clubes. Esta é uma indústria composta por vários agentes, todos eles importantes, sendo o objectivo da Liga Portugal chegar a uma forma justa de protecção, construída em colaboração com todos eles.
Façamos, todos, duas perguntas. Se as (poucas) seguradoras que operam neste mercado decidirem não estarem disponíveis para cobrir este risco, estarão os jogadores mais protegidos? E se a poupança permitida aos clubes com a alteração ao actual quadro legal lhes possibilitar proporcionar melhores condições salariais aos seus jogadores enquanto ainda estão em actividade ou criar melhores condições para a sua reforma, como o há muito reclamado Fundo de Pensões, não estaremos a defender os interesses dos futebolistas profissionais?
É com esse espírito que a Liga Portugal tem abordado esta questão. De forma agregadora e com sentido de responsabilidade. E é assim que todos, sem excepção, devem encarar esta matéria. Esta e outras.
Infelizmente, a forma injusta como o Futebol Profissional tem sido tratado não se cinge à questão dos seguros. Tive, também, a oportunidade de expressá-lo no Parlamento, o local certo para se debaterem e definirem orientações estratégicas e linhas gerais de políticas públicas.
O Futebol Profissional é uma das indústrias mais pujantes do país. Em 2021-22 contribuiu com 627 milhões de euros – o equivalente a 0,29% - para o PIB, um aumento de 12% em relação à época anterior. Ocupa o sexto lugar no ranking europeu. Quantas indústrias portuguesas podem gabar-se do mesmo? Ainda assim, e apesar da relevância que assumimos na economia nacional, continuamos a ver esse papel pouco reconhecido. Estou, naturalmente, a falar da necessária, e há muito reclamada, revisão do enquadramento fiscal em sede de IVA, nomeadamente a diminuição da taxa para os bilhetes de espectáculos desportivos e o aumento das actividades passíveis de dedução de imposto. Estou a falar, também, da redução das taxas de IRS ou IRC, que colocam os nossos atletas e as nossas sociedades desportivas em claríssima situação de desigualdade na concorrência com outras indústrias nacionais.
E, mais uma vez, em evidente posição de desvantagem em relação àqueles que são os seus concorrentes a nível internacional, clubes com apoios que nos têm, até agora, sido negados.
Estamos cientes das dificuldades que a conjuntura económica nos coloca. Mas também sabemos, e convém que todos o saibam, que ultrapassámos as enormes dificuldades provocadas pela covid-19 sem qualquer apoio público. Percebemos o momento e soubemos esperar. Mas não podemos esperar para sempre, sob pena de amanhã ser demasiado tarde.
O Futebol Profissional tem feito a sua parte. Identificou o que, internamente, pode ser feito para conferir aos clubes todas as condições necessárias para serem mais competitivos a nível internacional.
A centralização dos direitos audiovisuais, em pleno andamento e sem retorno, será determinante para dotar as nossas equipas médias de ferramentas para serem mais fortes na Europa. A reformulação que propomos aos modelos competitivos para o período pós-2024 também. Sinalizámos, nos locais próprios, os problemas que o sistema de pontuação atribuído na Liga Conferência (em tudo semelhante à Champions e Liga Europa) nos colocaria e avançámos com um conjunto de medidas para defender os interesses dos nossos clubes a nível europeu, nomeadamente na marcação de jogos, protegendo sempre as equipas que estão nas competições internacionais.
De forma organizada, estudada e responsável fizemos o nosso caminho. Agora é a altura de todos perceberem que não podem exigir aos clubes portugueses que mantenham ou melhorem o ranking europeu se não lhes derem condições de se baterem em plano de igualdade com aqueles que são os seus concorrentes directos.
Não se trata, sequer, de uma reivindicação. É apenas uma questão de justiça.