Iguazu, a terra dos índios guaranis
A leitora Maria Goreti Catorze viajou sozinha até às cataratas que dividem o Brasil e a Argentina e conta-nos como foi. “A América do Sul tem uma beleza natural extraordinária.”
Os voos domésticos de Buenos Aires para o resto do país saem do aeroporto Ministro Pistarini, na avenida fronteira ao Rio de la Plata. Estão sempre cheios. As filas para as portas de embarque são intermináveis. Passo à frente de toda a gente e ninguém me diz nada. Tenho medo de perder o voo para Iguazu.
Respiro de alívio com esta indiferença perante os prevaricadores das filas. Estou sozinha e sou mulher, o que num país da América Latina joga a meu favor. Há ali um machismo cortês surpreendente para um europeu: o de convidar as mulheres a passar à frente numa fila. Aconteceu-me inúmeras vezes. Vou conhecer as cataratas do Iguazu, que fazem fronteira entre a Argentina e o Brasil, onde o rio Paraná separa três países: Argentina, Brasil e Paraguai.
Em Iguazu apanho um táxi velho para o centro da povoação, aonde se chega por uma estrada em linha recta, que atravessa uma floresta de árvores de pequeno porte, solo avermelhado e atmosfera levemente nublada. Fascinam-me os enxames de borboletas amarelas que bailam em frente ao pára-brisas do carro. Encontrá-las-ei mais tarde em vários sítios, nas margens do rio Paraná e no interior do parque nacional das cataratas.
O clima é ameno no mês de Outubro. Fico hospedada num hotel central desta aldeia pobre, frente à central de autocarros. De manhã acordo surpreendida com o chilreio ensurdecedor dos pássaros que pernoitam nas árvores da rua. Não aconselho excursões. Prefiro os transportes públicos, que funcionam bem, levam pouca gente, são baratos e mais genuínos do que os expressos internacionais.
A aldeia é tão pobre que não se percebe para onde vai o dinheiro dos turistas que diariamente jorram para o interior do parque, onde os acessos são caros. Não vai seguramente para melhorar a vida destas populações locais, descendentes dos índios guaranis. Na rua, as crianças vendem pássaros talhados em madeira, sobretudo pequenos tucanos, a ave típica da região. Comprei um, e pu-lo no quarto como objecto decorativo porque detesto quartos vazios. Mas gosto de viajar sozinha. É a melhor forma de conhecer os sítios aonde vamos, de reflectir sobre eles e de repararmos em pessoas que de outra forma nos passariam despercebidas.
Entro finalmente no parque nacional das cataratas, onde se instalaram as "missões" espanholas retratadas no filme de Rolland Joffé A missão. Reencontro as borboletas amarelas numa poça de água perto do trilho do comboio que leva à Garganta do Diabo, a catarata maior e mais impressionante. Há helicópteros a sobrevoar o parque, sobretudo do lado do Brasil. O ruído é desagradável. Também há barcos a motor que fazem o percurso até à base das quedas de água para os turistas se deliciarem com o banho de salpicos e a emoção de estarem tão perto do perigo de serem arrastados pelas toneladas que caem lá de cima.
Não embarco nessas aventuras anti-ecológicas, que na minha opinião deviam ser proibidas. Escolho o sendero macuco, uma caminhada pedestre pelo meio da floresta que desemboca numa pequena cascata onde se pode mergulhar calmamente. É preciso cuidado com os quatis, uns animais domesticados parecidos com javalis que andam por todo o lado…. Mas do que mais gostei foi do passeio ecológico num barco a remos através dum braço de água tranquilo e silencioso de onde se avistam os tucanos no céu. Imagino os índios antes da chegada dos espanhóis a tomarem banho nas piscinas naturais que encimam as quedas. E em como o mundo deles mudou depois disso. Do lado argentino estão as cataratas propriamente ditas. O lado brasileiro é uma espécie de varanda ou miradouro sobre a paisagem. A América do Sul tem uma beleza natural extraordinária.
Maria Goreti Catorze