Britânicos confiam mais na UE do que no Governo e no Parlamento do Reino Unido

Estudo da World Values Survey e do King’s College mostra que a confiança na UE e a desconfiança nas instituições britânicas intensificaram-se após o referendo do “Brexit”, em 2016.

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Manifestação pró-UE em Londres, em Outubro do ano passado Reuters/HENRY NICHOLLS

Os britânicos confiam mais na União Europeia do que no Governo, no Parlamento, nos partidos políticos e na imprensa do Reino Unido, revela um inquérito da World Values Survey, analisado pelo Policy Institute do King’s College, de Londres, publicado nesta quinta-feira.

Segundo os dados recolhidos, relativos ao ano passado, verifica-se inclusivamente uma tendência de redução da desconfiança na UE e de aumento da desconfiança nas instituições britânicas desde o referendo de 2016, no qual a maioria (52%) dos eleitores britânicos votou a favor da saída do país do bloco comunitário.

A confiança na UE subiu de 32%, em 2018, para 39%, no ano passado, ao passo que a confiança no Governo caiu de 29% para 24% durante o mesmo período, com especial destaque para os mais jovens – entre a chamada geração “millennial”, apenas um em cada cinco inquiridos diz que confia em Downing Street.

Já a confiança dos participantes no inquérito no Parlamento caiu mesmo para números históricos. Em 2018, 32% confiavam em Westminster; quatro anos volvidos, essa percentagem diminuiu para os 23%.

O estudo da World Values Survey também refere que 49% das 3056 pessoas entrevistadas pela Ipsos se mostra “desapontada” com o divórcio britânico com os 27, contra apenas 24% de pessoas que se diz “contente” com o mesmo.

Particularmente em relação à percepção sobre a UE, destacam-se ainda os 50% de inquiridos na Escócia que declararam confiar no clube europeu – a maioria dos escoceses (62%) votou contra a saída do Reino Unido da UE, em 2016, e, desde essa altura, tem votado constantemente nos independentistas do Partido Nacional Escocês (SNP), que, para além da secessão, defendem o regresso a Bruxelas.

“O Reino Unido sempre se orgulhou da força das suas instituições, mas a população britânica já não está tão convencida como estava em tempos anteriores e, agora, somos mais negativos [em relação às nossas instituições] do que muitos outros países”, analisa Bobby Duffy, professor e director do Policy Institute.

“A nossa confiança na UE recuperou no pós-“Brexit” e agora é muito mais provável que alguém tenha confiança nela do que no nosso próprio Parlamento e Governo”, sublinha. “A Escócia também se destaca como particularmente positiva sobre a UE, como níveis de confiança mais elevados do que muitos países que ainda estão na UE, como França ou a Alemanha.

Menos guerra mediática à UE

Citado pelo Guardian, o antigo ministro conservador do “Brexit”, David Davis, diz que a evolução da opinião pública sobre a UE e sobre as instituições políticas britânicas pode estar relacionada com a “disputa lamuriosa, desagradável, irritadiça” e “pouco produtiva” que teve lugar, a partir de 2017, em Westminster, por causa da discussão interna sobre os termos da saída britânica da União Europeia.

Por outro lado, sinalizou que desde a consumação do divórcio – a 31 de Janeiro de 2020 – os jornais eurocépticos e conservadores, como o Daily Mail, o Sun, o Times ou o Daily Telegraph, deixaram de “dar pontapés a Bruxelas a toda à hora”, em comparação, por exemplo, com o período anterior ao referendo.

Por fim, particularmente sobre as opiniões relativas ao Parlamento e ao Governo, Davis lembra que o poder político teve de lidar com os efeitos sanitários e económicos da pandemia de covid-19 e com o impacto dos mesmos na quebra de confiança nas instituições.

Recorde-se que o ex-primeiro-ministro Boris Johnson foi forçado a demitir-se após vários escândalos, incluindo o caso das festas e convívios na sede do Governo em períodos de confinamento ou de proibição de ajuntamentos.

A falta de confiança dos britânicos nos partidos políticos (13%) e na imprensa (13%) também é notória, mas já vem crescendo desde 2005, no primeiro caso, e desde 1990, no segundo.

No que toca à percepção sobre a comunicação social, os autores do estudo sublinham que, entre os 24 países onde a World Values Survey fez inquéritos, só o Egipto (8%) tem níveis de confiança mais reduzidos que o Reino Unido.

Entre as instituições que os britânicos mais confiam estão a polícia (67%) – apesar de uma queda acentuada desde os 87% registados em 1981 – e a Administração Pública (49%).

“Algumas instituições saem-se melhor – o nosso sistema judicial é relativamente bem avaliado – e a Administração Pública também se sai bastante melhor que as nossas instituições políticas”, destaca Duffy.

“Estas tendências são importantes. A pandemia mostrou o quanto dependemos da cooperação pública em tempos de crise – sendo a confiança crucial nesse aspecto – e a reavaliação que a Polícia Metropolitana [de Londres] elaborou concluiu que ‘o consenso público foi quebrado’”, acrescenta. “Temos de trabalhar duramente e de forma rápida para aumentarmos a confiança da população”.

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