Adam Peaty pagou o preço por abraçar a dor
O nadador britânico, tricampeão olímpico e oito vezes campeão mundial, anunciou uma pausa competitiva para lidar com problemas de saúde mental. Mas não será uma retirada.
Adam Peaty escreveu um livro “A Mentalidade Gladiador”, um “mix” de autobiografia com auto-ajuda, em que fala do seu processo como atleta de alta competição. Logo na introdução, o nadador britânico, o melhor especialista de bruços de sempre, diz que “a mente é o que impulsiona o corpo, é o general que comanda os soldados no terreno” e que o livro será um manual para ajudar os leitores a “ultrapassar os limites” utilizando a “mentalidade de gladiador”. Peaty, o homem que em tempos disse que abraçava a dor, anunciou agora que iria fazer uma pausa competitiva porque está cansado e o desporto deixou de ser uma resposta. “Já não sou eu próprio e já não sinto o desporto da mesma forma que senti na última década.”
Numa longa mensagem publicada nas suas redes sociais, Peaty, de 28 anos, anunciou que não irá participar nos próximos campeonatos britânicos de natação, que se realizam em Sheffield entre 4 e 9 de Abril, e que servem como prova de aferição para os Mundiais de Fukuoka que serão em Julho próximo.
“Vou continuar a treinar, mas decidi retirar-me dos campeonatos britânicos. Faço isto com o único propósito de conseguir a melhor prestação possível em Paris nos Jogos Olímpicos de 2024. A natação deu-me tudo e quero reencontrar o amor por este desporto”, escreveu, não esclarecendo se irá aos próximos Mundiais.
Peaty é um daqueles nadadores que nunca (ou raramente) perde. Ele é o recordista mundial dos 50m e 100m bruços, duas especialidades em que detém as dez melhores marcas de sempre, é tricampeão olímpico, oito vezes campeão mundial e 16 vezes campeão europeu de piscina longa, um domínio que começou em 2014 e que só não teve continuidade nos Mundiais do ano passado em Budapeste porque estava lesionado.
Na mensagem, Peaty, que começou a ganhar títulos aos 19 anos, sugeriu que estes problemas de saúde mental não são de agora e que ganhar de forma consecutiva durante quase uma década conduziu ao esgotamento. “Todos querem sentar-se no teu lugar até ao momento em que estão sentados no teu lugar. Pouco percebem o que o sucesso pode fazer à saúde mental de uma pessoa. […] Como alguns já devem saber, tenho lidado nos últimos com problemas de saúde mental e acho que é importante ser honesto com isso.”
O britânico não é o primeiro desportista a falar de esgotamento competitivo nos últimos tempos. Só nos últimos Jogos Olímpicos, onde Peaty ganhou duas medalhas de ouro e uma de prata, a ginasta norte-americana Simone Biles relançou a discussão sobre a saúde mental dos atletas ao abdicar de múltiplas finais porque não se sentia em condições de competir. Antes dela, Michael Phelps e Naomi Osaka tinha falado publicamente sobre a depressão de que sofriam. Mais recentemente foi Caeleb Dressel, outro supercampeão da natação, a desistir a meio dos Mundiais de Budapeste porque sentia-se “perdido” e queria “estar longe da água”.
“Gosto da dor. Quanto mais tenho de ultrapassar a dor, melhor eu me sinto. Tem tudo a ver com encontrar uma vantagem sobre os outros e isso é a minha paz”, dizia Peaty em 2019 numa entrevista à BBC. E ainda em Outubro do ano passado, continuava com a tal “mentalidade gladiador”, como referiu numa entrevista ao “Players Tribune". “Sacrifício é uma palavra que usamos quando não queremos fazer nada. Escolho o sofrimento porque escolhi sofrer”, disse. “Porque, se não der 110%, há sempre alguém que irá dar.”
Em Março de 2023, parece ser exactamente o contrário. O primado da competição deixou de fazer sentido para Adam Peaty. “Alguns podem reconhecer nisto um esgotamento. O que eu sei é que, nos últimos anos, deixei de ter resposta. Agora, com ajuda, sei como devo abordar o desequilíbrio na minha vida.”