Cientistas nos Açores mostram como microplásticos estão a afectar aves marinhas

Microplásticos causam problemas em animais que devem “servir de alerta” para humanos, revela estudo com investigadores nos Açores publicado na revista Nature Ecology & Evolution.

Foto
Os microplásticos podem resultar da fragmentação do plástico ou serem criados de propósito com dimensões pequenas Alessandro Bianchi/Reuters

Os níveis de microplásticos estão "a afectar o tracto digestivo" das aves marinhas, mas as alterações que já ocorrem na natureza poderão "servir como sinal de alerta para os problemas de saúde" que possam estar a ocorrer nos humanos.

As conclusões resultam de um estudo realizado por uma equipa de cientistas da Universidade de Ulm, na Alemanha, com investigadores do Instituto de Investigação em Ciências do Mar, OKEANOS, da Universidade dos Açores e das Universidades Acadia e McGill, do Canadá.

Neste estudo, os cientistas examinaram e caracterizaram o microbioma gastrointestinal de duas espécies de aves marinhas, o fulmar (Fulmarus glacialis) e o cagarro (Calonectris borealis). Os microplásticos do tracto gastrointestinal foram também analisados.

Segundo os investigadores, até agora, "apenas alguns estudos piloto sobre esta problemática foram publicados" e os resultados, desenvolvidos em condições laboratoriais, "são frequentemente baseados em altas concentrações de microplásticos, não representativas das concentrações observadas na natureza".

Foto
Muitos plásticos funcionam como uma "esponja" de poluentes. Na imagem, uma lixeira em Istambul SEDAT SUNA/EPA

Mas, neste novo estudo, os investigadores mostram que "alterações no microbioma já ocorrem na natureza", o que pode ter impactos "não apenas nos indivíduos, a curto prazo, mas também consequências de longo prazo, para várias espécies interligadas", porque "é esperada uma acumulação de poluentes ao longo da cadeia alimentar".

Os investigadores do Instituto OKEANOS afirmam que as conclusões deste estudo reflectem "uma situação real, demonstrando efeitos da ingestão de microplásticos em animais selvagens".

E nos humanos também

"Sendo que já foi demonstrado que os humanos também incorporam microplásticos, estes estudos devem servir como sinal de alerta para os problemas de saúde que poderão estar a ocorrer também em nós, humanos", apontam.

De acordo com o estudo, publicado na revista Nature Ecology & Evolution, quanto maior for a incidência de microplásticos no estômago e no intestino das aves marinhas, maior será o impacto na diversidade do seu microbioma (conjunto de microorganismos que vivem nos tecidos e fluidos dos seres vivos).

"A contaminação por microplásticos é um problema ambiental de impacto global, pois essas partículas (menores de 5 milímetros), têm uma ampla distribuição, inclusive em áreas remotas, como a Antárctida e o mar profundo", referem os investigadores.

De acordo com Yasmina Rodríguez, co-autora do estudo e investigadora no Instituto OKEANOS, "apesar do aumento contínuo nas concentrações de plásticos no meio marinho, até agora não tinha sido demonstrado que os microplásticos nas concentrações ambientais actuais alteravam as comunidades microbianas do tracto digestivo de animais selvagens".

"Assim, com esta descoberta, acreditamos que novas linhas de investigação surgirão para aprofundar o conhecimento sobre os impactos que a ingestão do nosso lixo causa na saúde dos animais", assinala a investigadora, citada em comunicado de imprensa.

i-video

O PQ explica e descomplica.

Pedro Guerreiro,Claudia Carvalho Silva,Carolina Pescada

Os cientistas consideraram o microbioma intestinal como "um indicador de saúde, um componente chave da imunidade e bem-estar do animal hospedeiro".

"Além das consequências de lesões mecânicas, patogénicos transportados com os microplásticos ou distúrbios químicos causados pelos polímeros plásticos, podem também ser considerados como causas potenciais", explica Christopher Pham, co-autor do estudo e investigador responsável pela equipa que estuda os impactos lixo marinho, no Instituto OKEANOS.