Acusado nos EUA um espião russo que se fazia passar por brasileiro e tentou trabalhar no TPI

Para os colegas da Johns Hopkins, era Viktor Muller Ferreira. O FBI acabou por identificá-lo como Sergey Cherkasov. Estava nos EUA para tentar antecipar as reacções a uma guerra na Ucrânia.

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Sergey Vladimirovich Cherkasov, acusado nos EUA, está detido no Brasil Facebook

Entre 2018 e 2020 fez um mestrado na prestigiada Escola de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins. Para os colegas, era Viktor Muller Ferreira, um brasileiro sociável com um sotaque “confuso” cujos pais tinham morrido. Identificado o ano passado como Sergey Vladimirovich Cherkasov, um russo da secreta militar, foi agora acusado nos EUA de agir como agente de uma potência estrangeira e de fraude no visto, fraude bancária e electrónica.

Em Abril de 2022, Cherkasov foi parado pela polícia à chegada aos Países Baixos e enviado para o Brasil, onde vivia na altura (e continuava a usar os contactos que estabelecera nos EUA). Se tivesse conseguido entrar no país, ia começar um estágio no Tribunal Penal Internacional, onde esperaria conseguir acesso às investigações sobre crimes de guerra da Rússia na Geórgia e na Ucrânia, desde 2014 – há uma semana, os juízes do tribunal de Haia emitiram um mandado de captura para o Presidente russo, Vladimir Putin.

Os neerlandeses acreditam que se entrasse no TPI talvez “tivesse mesmo conseguido influenciar os procedimentos criminais no TPI”.

Entretanto, o FBI já o investigava e estava em contacto com a polícia neerlandesa. Dois meses depois, seria publicamente identificado como Sergey Vladimirovich Cherkasov.

Durante os seus estudos na Johns Hopkins, um colega chegou a perguntar-lhe directamente: “És russo?” “Muller”, claro, respondeu que não. O único problema era o sotaque. “Lembro-me de pensar que aquilo não fazia sentido”, contou o ano passado esse colega à CNN. Não foi o único. Durante uma conversa sobre motos, um interesse comum, outro colega, um militar, perguntou-lhe se falava russo, o que ele negou.

“Nunca suspeitaria deste tipo”, disse também à CNN um terceiro colega, descrevendo-o como “muito simpático, aberto, activo nas aulas”, recordando até que numa das cadeiras “era um dos favoritos do professor”. Outro professor, que ensinava uma disciplina sobre genocídio, escreveu-lhe uma carta de recomendação para o estágio no TPI.

Sabe-se que Cherkasov começou a estudar Ciência Política na Trinity College de Dublin, em 2014, terminando os estudos em 2018 e viajando nesse ano para os EUA. No país, enumera a CNN, terá entrado em contacto com um funcionário do Departamento de Estado, com uma pessoa que trabalhava no Capitólio, um professor da Academia Naval, entre outros.

Numa mensagem citada pelos procuradores, Cherkasov explica que estava a tentar “compreender o que é que a comunidade académica, os conselheiros políticos e os analistas pensavam da mobilização militar da Rússia perto da fronteira da Ucrânia”, tentando principalmente entender “quais seriam os seus conselhos à Administração”. Entre outras conclusões, terá dito que o secretário de Estado, Antony Blinken, acreditava que os russos não negociariam e que Washington “não estava em posição de ajudar os ucranianos, se os combates começassem”.

A acusação descreve Cherkasov como fazendo parte dos “ilegais”, nome de uma rede de agentes espiões adormecidos ("ilegais" por não serem estarem registados nas embaixadas ou consulados) – dez foram detidos em 2010 – que se faziam passar por norte-americanos nos EUA. “Se adversários estrangeiros, como a Rússia, enviam operacionais em segredo para os Estados Unidos, vamos encontrá-los e acusá-los em toda a extensão permitida por lei”, afirmou esta sexta-feira o procurador, Matthew M. Graves.

Prendê-lo será tarefa mais complicada. Quando foi deportado dos Países Baixos ficou detido no Brasil. Em Setembro, Moscovo pediu formalmente a sua extradição para a Rússia, afirmando que é procurado por acusações ligadas à venda de narcóticos.

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