Agentes russos apanhados em flagrante na Holanda e acusados nos EUA

Ataques informáticos imputados a Moscovo visavam organismos de várias áreas, desde desporto (doping) às armas químicas.

Imagens dos quatro agentes russos divulgadas pelas autoridades holandesas
Fotogaleria
Imagens dos quatro agentes russos divulgadas pelas autoridades holandesas DR
Fotogaleria
Conferência de imprensa do ministério da Defesa da Holanda BART MAAT/DR

Agentes russos foram apanhados por uma unidade de contra-terrorismo holandesa a tentar entrar na rede wireless da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ), em Haia, em Abril, quando esta tinha em mãos duas investigações envolvendo Moscovo, uma em Sainsbury, Reino Unido, e outra em Douma, Síria, anunciou o Ministério da Defesa da Holanda.

As revelações da Holanda estão entre informação dada pelo Reino Unido, antes, e pelos EUA, depois, durante o dia, revelações que o jornalista especialista em diplomacia da BBC James Landale classifica como “espantosas”.

O Reino Unido deu o tiro de partida quando o ministro dos Negócios Estrangeiros, Jeremy Hunt, acusou, com base em investigações do Centro Nacional para a Ciber-Segurança, os serviços secretos militares russos de trabalhar para minar as democracias ocidentais com operações para semear o caos em áreas desde o desporto à política.

Seguiu-se, horas depois, uma detalhada conferência de imprensa do Ministério da Defesa da Holanda, em que foi contada a intercepção de uma operação de quatro agentes russos dos mesmos serviços secretos militares que levavam a cabo uma tentativa de entrar no sistema da OPAQ.

E ainda mais tarde, os EUA anunciaram um processo judicial contra sete agentes russos, quatro dos quais os implicados na tentativa de ciberataque na Holanda, e três deles já acusados de interferência nas presidenciais de 2016. Os sete agentes estariam todos também ligados a uma operação de pirataria informática a dados confidenciais de atletas para desacreditar a organização que denunciou um programa estatal de doping de atletas russos.

O objectivo destas campanhas, disseram responsáveis ao Washington Post, é causar confusão quanto ao que é real: “Dificultar ou alterar percepções da verdade”.

Membros do Governo britânico não pouparam nas palavras, que a Reuters classifica como das mais duras desde o fim da Guerra Fria: o ministro da Defesa do Reino Unido, Gavin Williamson, disse que este era o comportamento de um “Estado pária”. Jeremy Hunt criticou “um padrão de comportamento que demonstra o desejo de operar sem consideração pela lei internacional ou as normas estabelecidas”.

O especialista Malcolm Chalmers, do centro de estudos de defesa Rusi, disse ao Guardian que a secreta militar russa está a ir muito além do papel tradicional das agências de espionagem em tempo de paz, que é roubar segredos dos adversários. “Ao lançar operações disruptivas que ameaçam a vida nas sociedades alvo, eles dificultam a distinção entre guerra e paz”, comentou.

Os ataques de pirataria informática eram, no geral, levado a cabo remotamente. Ataques no local eram uma opção em caso de falhanço dos anteriores. E foi isto, segundo as autoridades holandesas, que aconteceu em Haia.

A unidade de contraterrorismo holandesa contou passo a passo como os quatro agentes entraram na Holanda a 10 de Abril e a 13 de Abril foram apanhados com equipamento de hacking perto da sede da OPAQ. Uma equipa de agentes contra-terrorismo holandeses interveio para interromper a operação, apanhando-os “em flagrante”, com equipamento para chegar às redes wireless e entrar no sistema.

Os agentes russos ainda tentaram destruir um dos telefones. A operação não terminou com o regresso dos agentes para a Rússia – têm passaportes diplomáticos e foram imediatamente levados a sair da Holanda, mas o equipamento que ficou deixou pistas para mais operações.

Em especial, um computador mostrou-se relevante, nota a BBC: tinha sido usado no Brasil, Suíça e Malásia. Não há informação sobre o Brasil, mas na Suíça, em Lausanne, terá sido usado para aceder a um portátil da Agência Mundial Antidopagem (AMA), que punira a Rússia pelos casos de doping, e na Malásia terá sido usado para ter acesso à investigação ao caso do avião MH-17, da Malaysia Airlines, que foi atingido em território rebelde na Ucrânia por um míssil de uma brigada russa. A Rússia nega qualquer envolvimento.

O embaixador britânico em Haia, Peter Wilson, comentou que a operação na cidade holandesa foi uma tentativa dos serviços secretos militares “tratarem das próprias trapalhadas da Rússia”.

A Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ) era responsável pelas investigações ao uso de um agente químico que actua no sistema nervoso, o novichok, num ataque contra um ex-espião duplo russo em Salisbury (Reino Unido), pelo qual o Governo britânico acusa a Rússia, e pelo suspeito uso de armas químicas em Douma (Síria), num ataque levado a cabo pelas forças de Bashar al-Assad e dos seus aliados russos. A Rússia sempre negou qualquer envolvimento nos dois casos.

Para Jeremy Hunt, a tentativa de ataque à OPAQ é mais uma prova de que havia, de facto, envolvimento russo no envenenamento do antigo espião Sergei Skripal.

Sugerir correcção
Ler 3 comentários