Aos cinco anos fugi da creche. Sentada na pequena retrete, desenhada especificamente para crianças — quem terá tido a ideia de criar móveis de casa de banho adequados ao tamanho dos mais pequeninos? —, planeei a minha fuga. Aproveitaria o momento em que as educadoras estivessem de costas para a saída, quando se encontrassem no exterior a vigiar os meus colegas nos baloiços e nos escorregas, e fugiria pela lateral da creche. Sentada na retrete, visualizei o percurso que me levaria de volta a casa, até à minha mãe.
Na cabeça a ideia surgiu-me brilhante e de fácil execução. Quando comecei a subir as escadas da lateral do edifício da creche, já fora do domínio do parque, entrei em pânico. Talvez não fosse assim tão simples executar o caminho para casa sozinha. Em vez de voltar para trás, para a creche, o meu impulso foi continuar em frente. Correr ainda mais rápido em direcção a casa, tendo a noção de que era importante manter-me no passeio e não resvalar para a estrada. A estrada era um sítio perigoso, disseram-me desde pequenina. Os carros podiam matar pessoas, especialmente crianças, porque o seu corpo de ferro era invencível perante o corpo de uma pessoa, especialmente de uma criança.
Continuei a correr e comecei a chorar alto a caminho de casa, sem ter a certeza de que aquele era o rumo certo. Um casal de velhotes — não me recordo do rosto deles, talvez não fossem assim tão velhos, mas aos olhos dos meus cinco anos de idade pareceram-me velhíssimos, da idade dos meus avós ou mais —, travaram-me a corrida com uma pergunta desarmante: "Estás perdida?" Não pensei. Menti. Disse que sim, que me tinha perdido da minha mãe. Não sabia o que dizer. Sabia que ter fugido da creche era errado, sabia que estava incerta de conseguir voltar para casa sozinha.
"Em que sítio te perdeste da tua mãe?" Mais uma mentira. Indiquei-lhes o caminho para a churrasqueira em frente ao parque da escola, provavelmente queria ser resgatada pelas educadoras. Quando me levaram até à churrasqueira, uma das educadoras viu-me pela mão de um dos velhotes e ficou em pânico. Ainda não se tinham apercebido da minha ausência. Foi tudo muito rápido. A fuga, a volta enxovalhada e cobarde para junto do parque. Ralharam comigo, muito, nunca tinha visto adultos tão nervosos com algo que eu fizera.
Percebi que tinha sido grave. Que iam contar à minha mãe, que aquilo nunca mais se podia repetir, que ia ficar de castigo. Além disso, mil perguntas, um interrogatório completo seguido de juízos morais que uma criança não entende completamente nem tem forma de responder. Porque tinha fugido, se não gostava delas, se alguém me fazia mal, o que me tinha passado pela cabeça para fugir, certamente que eu sabia que não era correcto.
Não sabia explicar ao certo. Sei que tinha fugido porque sabia que a minha mãe não estava bem. Via-a chorar todos os dias, por isso a determinado ponto também chorava para ir para a creche. Assim levava-me de volta para casa com ela. E podíamos chorar as duas em casa, ou podia contar-lhe anedotas e fazer caretas e a mãe cessava as lágrimas por momentos e ficava bonita outra vez, com os dentes muito brancos à mostra.
Sei que fugi porque não podia deixá-la sozinha, e que percebi nesse dia que afinal não era assim tão crescida como pensava ser, não sabia voltar para casa sozinha. O desespero que senti nessa tentativa de regresso a casa é uma emoção que nunca esqueci na vida. O medo e a frustração que senti são inesquecíveis. Afinal eu não podia tudo, como pensava aos cinco anos, eu podia muito pouco. Afinal eu nem sequer sabia o caminho para casa.