Breve radiografia do Instituto Gulbenkian de Ciência e do Instituto de Medicina Molecular

No passado, o fim do apoio directo da Fundação Gulbenkian ao Instituto Gulbenkian de Ciência já foi uma hipótese, nomeadamente em meados da década de 1990.

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Campus do Instituto Gulbenkian de Ciência, em Oeiras daniel rocha

Um foi criado há pouco mais de 60 anos, o outro há pouco mais de 20. Em comum, a coincidência de terem hoje à frente duas mulheres. Falamos do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) e do Instituto de Medicina Molecular (IMM). Vejam-se os dois institutos numa breve radiografia.

O IGC integra a Fundação Calouste Gulbenkian, uma instituição filantrópica privada criada em 1956. A formação do IGC remonta a 1961, ainda em plena ditadura do Estado Novo, para cumprir um dos quatro pilares definidos estatutariamente no testamento de Calouste Sarkis Gulbenkian para melhorar a vida das pessoas — o da ciência, além dos da arte, beneficência e educação. Desde 2018, o IGC é dirigido por Mónica Bettencourt-Dias, bioquímica e bióloga celular.

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Mónica Bettencourt-Dias, directora do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) Daniel Rocha

Segundo o Relatório Anual de 2021 do IGC, o instituto teve 18,5 milhões de euros de financiamento total nesse ano: mais de metade (52%) do dinheiro — 9,6 milhões de euros — veio da Fundação Calouste Gulbenkian e o restante (48%) é do exterior, ganho por exemplo em concursos de financiamento de projectos de investigação. Os relatórios anuais anteriores do IGC não são muito diferentes neste aspecto, mantendo-se a mesma proporção de financiamento interno e externo: 18,1 milhões de euros em 2020 e 17,4 milhões em 2019, sempre com cerca de nove milhões provenientes da Fundação Calouste Gulbenkian.

Já o IMM foi criado em 2002 na Universidade de Lisboa com o estatuto de associação privada sem fins lucrativos, resultando da associação de cinco antigas unidades de investigação da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL). A direcção do IMM tem a bióloga celular e molecular Maria do Carmo Fonseca como presidente e, desde 2014, a bióloga celular Maria Manuel Mota como directora executiva.

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Maria Manuel Mota, directora executiva do Instituto de Medicina Molecular de Lisboa Ricardo Lopes

Como associação privada sem fins lucrativos, o IMM tem cinco membros associados: Universidade de Lisboa; Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa; Hospital de Santa Maria; Associação para a Investigação e o Desenvolvimento da Faculdade de Medicina; e a Fundação Oriente.

No Relatório Científico de 2020 do IMM, lê-se que o instituto teve 14,1 milhões de euros de financiamento para investigação, sendo a maior parte fundos públicos nacionais e europeus, incluindo também concursos de projectos de investigação. Se em 2019 o IMM teve 15,7 milhões de euros de financiamento dedicado à ciência, em 2018 foram 13,3 milhões.

No início da sua história, o leque de investigação do IGC ia muito para lá dos estudos biológicos. Na altura da inauguração oficial, em 1965, era composto por cinco centros dedicados às seguintes áreas: economia agrária; cálculo científico; investigação pedagógica; e economia e finanças; além da biologia. Na década de 1980, houve uma reforma que limitou as actividades de investigação do IGC à biologia.

Seguiu-se um período de decadência, até que por volta de 1996 e 1997, quando a Fundação Gulbenkian reorganizava as suas prioridades, o fim do IGC chegou a ser uma hipótese. O imunologista António Coutinho, que já coordenava um programa de doutoramento em biomedicina no instituto desde o início dos anos 90, e que veio ficar conhecido como o programa de “superdoutores”, foi convidado para apresentar um projecto de renovação do instituto.

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O imunologista António Coutinho em 2008 Enric Vives-Rubio

Em 1998, sob a direcção de António Coutinho, o IGC foi então reorganizado. Afastou-se pessoal do IGC, entrou gente nova, incubaram-se novos grupos de investigação e “exportaram-se” novos líderes científicos que influenciassem a comunidade científica portuguesa. “Queremos ser um hall de entrada para investigadores em Portugal, não uma sala de estar”, dizia António Coutinho ao PÚBLICO em 2007.

Em 2011, na cerimónia de comemoração dos 50 anos do IGC, o presidente da Fundação Calouste Gulbenkian à época, Rui Vilar, e António Coutinho deixavam transparecer a discussão em curso à volta do instituto. Falava-se de um novo modelo de gestão, que passaria por tornar o IGC autónomo da fundação, talvez até através de uma nova pessoa jurídica, como o PÚBLICO noticiava na altura. Falava-se ainda de manter a ligação institucional do instituto à fundação, a começar pela manutenção do nome Gulbenkian. E não se descartava no futuro outros parceiros para além da fundação.

Novamente, o fim do IGC está em cima da mesa. A questão é se um dos pilares da Fundação Gulbenkian por disposição testamentária se vai cumprir apoiando a ciência como actividade directa, através do IGC, ou se se vai cumprir através do financiamento de outras instituições científicas. O futuro do IGC é um ponto de interrogação.

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