Marcelo carrega nas críticas ao pacote da habitação do Governo: “É uma lei cartaz”
Esta não é a primeira vez que o Presidente da República mostra ter dúvidas quanto à exequibilidade do pacote de medidas do Governo sobre a habitação. No entanto, o tom crítico tem-se acentuado.
O Presidente da República defendeu esta segunda-feira que o pacote de medidas da habitação, tal como está, é "inoperacional" e comparou-o a uma "lei cartaz", ou seja, a uma lei que não é para ser aplicada. Marcelo Rebelo de Sousa, que falava durante uma visita ao Correio da Manhã no âmbito do aniversário do jornal, tem revelado um tom mais crítico na avaliação que faz às medidas do executivo sobre habitação.
"Tal como está concebido, logo à partida, o pacote da habitação é inoperacional. Quer no ponto de partida, quer no ponto de chegada", disse o chefe de Estado na Redacção Aberta, a iniciativa que assinala o aniversário daquele jornal diário, citado pelo Jornal de Negócios, também detido pelo grupo Cofina, tal como o Correio da Manhã (CM). O Presidente respondia a uma pergunta sobre se vai ou não vetar os diplomas do Mais Habitação, contextualiza o CM.
Numa referência à sua experiência enquanto professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, o Presidente explicou que tipo de lei lhe parece ser aquela que o executivo se prepara para aprovar. "Na aprendizagem que fazíamos da feitura das leis, havia as chamadas leis cartazes. São leis que aparecem a proclamar determinados princípios programáticos, mas a ideia não é propriamente que passem à prática."
Ainda citado pelo Jornal de Negócios, o Presidente descreveu o que é uma lei cartaz: “No curtíssimo prazo, é um pólo de fixação por aquilo que promete”. “[Se] no virar da esquina for convertida em inexequível, significa que se levantaram expectativas que se frustram instantaneamente”, salientou, acrescentando que, assim sendo, "era preferível não ter levantado as expectativas, pois existindo um problema real e sendo a aparente solução inexequível, era melhor não termos falado nisso".
O melão que gera dúvidas desde o início
Esta não é a primeira vez que o Presidente da República revela dúvidas sobre a exequibilidade das medidas preparadas pelo Governo quanto ao pacote Mais Habitação. Logo em Fevereiro, o Presidente tinha afirmado que, “olhando para o pacote [de medidas], que é muito grande, não é possível ter uma ideia clara do que lá está dentro. O povo costuma dizer só se sabe se o melão é bom depois de o abrir. É preciso abrir o melão”.
Ou seja, é preciso, em relação a cada uma das peças legislativas do pacote, saber "quanto é que custa para o Estado, quantas famílias abrange, quais os efeitos, quanto tempo demora a produzir efeitos, aquilo que tem pés para andar e aquilo que não tem pés para andar”, detalhou mais tarde.
O Presidente tinha considerado também que era preciso avaliar vários aspectos quanto aos objectivos desta política pública: "Primeiro se são atingidos rapidamente, segundo se são atingidos de forma realmente a melhorar a situação de tantas famílias, terceiro se há máquina [Estado e municípios] para os pôr de pé, se a banca é sensível a certas mudanças que tem de introduzir e se os impostos que se fala agora em termos de redução vão efectivamente mudar a situação dos portugueses”.
A questão da operacionalidade da lei tem sido a tónica de Marcelo desde que o Governo apresentou as primeiras ideias do pacote da habitação. Na entrevista que deu ao PÚBLICO e à RTP, a 9 de Março, Marcelo Rebelo de Sousa deixou um guião ao Governo sobre aspectos a alterar - como a necessidade de densificar conceitos, nomeadamente, o de casa devoluta -, com o objectivo de atender a possíveis dúvidas de constitucionalidade.
Mas mostrou especial atenção à operacionalidade das medidas. O chefe de Estado defendeu que vai ser necessário ter a certeza que as ideias propostas são concretizáveis. “Já se percebeu que os municípios não vão descobrir as casas devolutas”, disse, acrescentando ter dúvidas sobre o processo de aproveitamento das casas devolutas. “É preciso que seja exequível”, concluiu.
Na altura também deixou recados ao PSD, cujas propostas, à data, eram menos conhecidas que as do executivo. É preciso ver a questão de serem as câmaras a substituírem o Estado na resolução das casas devolutas - e se “não houver acordo entre o Estado e as câmaras?”, perguntou. Admitiu ainda que a proposta social-democrata de ser o fisco a identificar as casas devolutas possa causar “perplexidade” no eleitorado mais conservador.
A condução da política de habitação pelo Governo tem colhido críticas de personalidades com relevo na vida política nacional. Este fim-de-semana, o ex-Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, disse que a crise habitacional que se vive no país "é o resultado do falhanço da política do Governo no domínio da habitação nos últimos sete anos, com custos sociais elevados para muitos milhares de famílias".
Cavaco Silva disse ainda que "não faltaram planos apresentados à comunicação social e que ficaram no papel ou no powerpoint". Quanto ao novo pacote, o ex-chefe de Estado deixou uma nota positiva – o fim dos vistos gold – e de resto sobraram as críticas.